Indumentária e arquitetura estão intimamente ligadas desde sua raiz. Usando a cultura intrínseca entre as duas áreas, João Gabriel Farias Barbosa de Araújo, mestre em Arquitetura na FAU USP, conduziu a dissertação Arquitetura por um fio: vestes e abrigos de povos ciganos e nômades. No estudo, Araújo pôde concluir que ambos os aspectos se aproximam por ter seu fundamento não só na necessidade — de se vestir e se abrigar — mas também na estética e na representação de seus costumes.
Ciganos e nômades possuem uma forma única e identidade de se vestir tais quais suas habitações. As duas vertentes têm muito em comum: segundo Araújo, a proximidade vem desde a criação de seu conceito. “Eu acreditava que vestuário e arquitetura eram manifestações culturais muito próximas. As origens da arquitetura estariam nas construções dos primeiros povos nômades e essas obras são ótimos exemplos das proximidades entre arquitetura e vestuário”.
Em contato com acampamentos de ciganos calons, em São Paulo e no Espírito Santo, além do estudo de povos nômades inuits, wodaabes, beduínos e tuaregues, Araújo observou que os materiais e técnicas utilizadas na costura e construção eram bastante semelhantes. “As arquiteturas são construídas através de materiais têxteis, como: lonas, tecidos e tapetes. São arquiteturas feitas por linhas que se fiaram ou se teceram, construídas através de tramas – encadeamentos ou conexões – de fios ou de enredos”.
Outro aspecto que Araújo desmistifica no trabalho é o preconceito ainda existente com ciganos e nômades. O pesquisador afirma que é importante olhar para esses povos como uma forma de repensar as relações de consumo e de multiculturalidade, além do que estamos habituados a conviver. “Assim como acontece com o design de vestuário, parecia existir um certo preconceito relacionado ao estudo dessas arquiteturas que seriam efêmeras, femininas e vernaculares. Os ciganos e os povos nômades são representantes de culturas milenares que continuam enfrentando e resistindo a inúmeras ameaças do nosso mundo contemporâneo”.
Além da proteção
O aspecto cultural é o fator que caracteriza toda a estrutura da moda e da arquitetura encontrada nos acampamentos nômades e ciganos. Além de se estabelecerem como um método de proteção do corpo e do ambiente, essas composições evidenciam o lado identitário de cada acampamento, que passam pelos mitos até as crenças cosmológicas destas sociedades.
Araújo explica que a forma como é pensada cada um desses itens revela particularidades dos povos e de suas tradições. “Vestuário e arquitetura representam mais do que camadas protetoras, sendo registros da memória, participando na expressão e demonstração de sentimentos e estados de espírito. Também, protegem os corpos de ameaças sobrenaturais e representam manifestações da subjetividade dos grupos, unindo seus membros como mecanismos de reconhecimento”.
Diante de tal significado, esses dois aspectos, então, se encaixam como objeto de impacto que valem a pena ser explorados para contrastar com os modelos “tradicionais” de vestimenta e arquitetura, segundo Araújo. “Precisamos compreender quais são as relações que estabelecemos com nossas vestes e até mesmo nossas arquiteturas, o que elas representam na construção de nossas subjetividades numa sociedade capitalista”.
Ainda, para o pesquisador, esse tipo de estudo é importante para dar visibilidade a um aspecto cultural, muitas vezes ignorado. “Nesse sentido, a pesquisa contribui para realinhar as percepções a respeito daquilo que levamos na nossa superfície, desatando nós entre superficialidade e futilidade. O trabalho ressalta a importância de percebermos os elementos da nossa cultural material como entidades ricas e potenciais para as investigações científicas, além de contribuir com o registro de manifestações cada vez mais raras”.
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