Opinião pública latino-americana de política externa é influenciável

Percepção sobre assuntos internacionais sofre intervenção de incentivos locais e pessoais

Declarações a respeito de política externa geraram repercussão no período eleitoral / Imagem: Daniel Medina

Em sua dissertação de Mestrado, Fernando Mourón já se preocupava em entender como a mídia regional realizava a construção de imagem sobre o Brasil. Ao analisar cartas editoriais do público, o pesquisador argentino se deparou com diferentes percepções a respeito do Brasil que precisavam ser estudadas com maior profundidade. Em sua tese de Doutorado para o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) e o King’s College London, titulada Opinião pública e política externa revisada: uma perspectiva latino-americana, o pesquisador, em conjunto com a orientadora Janina Onuki, analisa os aspectos que moldam a opinião pública da população latino-americana a respeito de assuntos de política externa.

A ideia de uma conexão entre a opinião pública e a definição de uma política internacional parecia distante durante muito tempo, não sendo incentivada uma interligação. Com o avanço tecnológico, a consequente democratização da informação e a pluralização das ideias, o acesso a assuntos internacionais pela população se tornou mais frequente e, com isso, iniciou-se uma contestação à ideia de desconexão ou até irrelevância entre a política externa de um país e a opinião pública.

Mais do que relacionar a percepção pública com a definição de uma política internacional, ou procurar uma conexão causal entre ambas, Mourón se preocupou em destrinchar os aspectos que levam à formação dessa opinião. “O que queríamos entender era como alguém toma um posicionamento a respeito de um contexto que não acontece no próprio país de origem”, afirma.  Quais seriam os processos e variáveis que influenciam nessa tomada de decisão. Para isso, levou em consideração aspectos quantitativos e pesquisas de opinião.

A tese está dividida em três grandes capítulos, no decorrer dos quais foram aplicadas três pesquisas de opinião pública. No primeiro, são apresentados os resultados de uma pesquisa comparativa realizada em sete países da América Latina. No segundo e no terceiro capítulo, com apoio da Fapesp, aplicaram-se dois questionários: um presencial na Argentina, com diferentes informações a respeito do Brasil, tentando avaliar como a percepção dos argentinos se alterava com relação ao país; e uma pesquisa online no Brasil, apresentando questões internacionais de diferentes formas.

Um dos principais destaques do primeiro capítulo refere-se ao alto grau de desconhecimento que o cidadão médio possui a respeito de temas básicos de política externa. Foram apresentados três acrônimos (ONU, OEA, e MRE – Organização das Nações Unidas, Organização dos Estados Americanos e Ministério das Relações Exteriores, respectivamente). No Brasil, 30% sabiam o que era ONU, 1,5% MRE, e 9% OEA. Na Colômbia, 56% sabiam o que era OEA, 62% ONU e 35% MRE. “Para além de qualquer interpretação que a gente possa fazer dos dados, ou explicar o porquê, isso é essencial: os brasileiros conhecem muito pouco a respeito de política internacional”, destacou Fernando.

 

Imagem: Daniel Medina / Esquematizada de acordo com tabela elaborada pelo autor, disponível na tese

Política externa como fruto do interno

Na aplicação experimental das pesquisas, os entrevistados foram divididos em três grupos: um deles não recebia nenhuma informação, outro recebia apenas um dado, e ao último era entregue o mesmo dado do anterior comparado com uma referência do cenário nacional. O contexto apresentado foi o da ajuda brasileira ao Haiti durante dez anos. Um grupo não recebeu nenhuma informação, o outro recebeu o valor gasto pelo Brasil na missão do Haiti e o terceiro a mesma informação, acrescentando quantos hospitais poderiam ter sido construídos com esse dinheiro.

O observado é que, aqueles que recebiam informações comparadas e absolutas, em média, tendiam a tomar posições diferentes daquelas que não recebiam nenhuma. No caso do Haiti, Mourón afirma que pessoas com tendência mais protecionista eram mais suscetíveis a informações sobre gastos e, quando posteriormente perguntadas o que o Brasil deveria fazer com recursos da missão, a maioria considerava necessária a retirada de ajuda.

O mesmo ocorre na relação entre Brasil e Argentina: apesar de hoje em dia se considerarem aliados e não haver mais uma rivalidade em termos da formulação de política externa, quando pessoas foram expostas a informações relacionadas ao tamanho econômico e influência do Brasil no continente, alguns argentinos passaram a posicionar o Brasil como rival.

“As pessoas mudam suas percepções de acordo com a informação que você dá, e isso é muito importante, considerando por exemplo o período eleitoral: como as pessoas reagem se recebem uma informação que elas já tendem a acreditar, como você ativa preconceitos e conceitos que as pessoas já tinham mas não mostravam”, afirma Mourón. “Parte da cidadania possui uma predisposição a acreditar em certas opiniões, e quando você entrega dados de política externa, ela reforça essa percepção. O ponto central, eu acho, é como temas de política externa podem ser utilizados para alterar a opinião no ambiente doméstico”.

Em relação a esse panorama, Fernando aponta para três grandes consequências. Em primeiro lugar, ocorre a limitação dos formuladores de política externa a tomar iniciativas, tendo em consideração que podem ser utilizadas de forma distinta no ambiente doméstico.

No terceiro capítulo da tese, Mourón exemplifica, analisando a percepção brasileira da ajuda fornecida ao Haiti, durante dez anos. O pesquisador cita o exemplo do debate presidencial para a reeleição de 2014: “Os candidatos falavam: ‘ah, se dá ajuda ao Haiti enquanto os brasileiros estão morrendo de fome. Por isso a primeira consequência, se há políticos que tiram vantagem disso no cenário doméstico, o custo político de levar à frente iniciativas de política externa aumenta, ainda mais quando o país não vai tão bem”.

A segunda consequência está relacionada ao impacto na formulação dessas políticas externas, que o pesquisador aponta como um processo a longo prazo, não evidenciando resultados imediatos e que muitas vezes podem ser pouco perceptíveis em um primeiro momento em termos econômicos, por exemplo. “O exemplo dos BRICs é uma prova disso: para o Brasil estar nesse grupo, houve um grande investimento de recursos não apenas financeiros, mas humanos e que, se hoje apresentam resultados concretos, decorrem de um trabalho extenso”, afirmou.

A terceira consequência, destaca, é que, se o país altera sua política externa, há um impacto na credibilidade internacionalmente, por distanciar-se do que seria seu histórico. “Não é questão de apontar se isso é certo ou errado, mas sim que acontece cada vez mais. E não é só no Brasil, essa linha entre política doméstica e política internacional é cada vez mais fraca”.

Além de fazer algum juízo de valor, Fernando enfatiza a questão da apresentação dos dados como ponto central e importante. A forma como se diz algo, como se apresenta, sobre qual contexto e com quais outras informações, altera a maneira que as pessoas se posicionam diante da questão recebida.

Aponta, também, a relevância em termos da discussão pública e seu direcionamento, ainda sob ótica do contexto eleitoral atual: “Isso é muito claro no período eleitoral. É uma tendência que aumenta. Essa utilização de temas de política externa no ambiente doméstico ficou mais clara nessas eleições, fundamentalmente uma percepção negativa. Isso é muito interessante, notar como os temas entram na agenda de campanha”.

Declarações relacionadas a política externa estiveram presentes nas eleições de 2018: a “possível” saída do Brasil da ONU ou a mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv a Jerusalém, causaram polêmica. Considerando a constatação da pesquisa, em que as pessoas são influenciadas pela forma como as informações são expostas, pautar também como a população se informa passa a ser essencial para entender o que acontece no país desde o ponto de vista da comunicação, que muito se relaciona com o resultado eleitoral do dia 28 de outubro.

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