O Alzheimer acomete hoje cerca de 50 milhões de pessoas ao redor do mundo, número que tende a triplicar em até trinta anos. Os dados são do Relatório Mundial de Alzheimer de 2018, desenvolvido pela ONG Alzheimer Disease International. Por isso a importância de se buscar fármacos e complementos com capacidade terapêutica, objetivo do laboratório da professora Andréa da Silva Torrão, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
O interesse pela benfotiamina, um análogo da vitamina B1, veio a partir da constatação de que pacientes com Alzheimer possuem deficiência dela, também chamada de tiamina. E o que se buscou entender foram as possíveis relações entre o composto e algumas alterações que se manifestam no cérebro de pacientes, como o acúmulo de beta-amiloide, deficiência no metabolismo da glicose e a morte de neurônios, relacionada aos conhecidos problemas de memória.
A elevada quantidade da proteína beta-amiloide no cérebro é a hipótese mais aceita mundialmente para explicar a doença. Porém, não se sabe concretamente o que provocaria essa situação. O grupo acredita que a função mitocondrial do encéfalo e uma alteração no metabolismo neuronal podem gerar o quadro, ideia em que se baseia o modelo experimental criado.
Os testes são feitos em ratos Wistar, divididos em dois grupos: aquele induzido ao Alzheimer e o grupo-controle. É impossível afirmar que o animal passa a ter a doença, mas, após a injeção da droga estreptozotocina, é induzido a um comportamento semelhante, processo seguido sob rígidos protocolos de ética aprovados pelo ICB.
Nos animais afetados, é observada uma redução na utilização da glicose e uma deficiência de insulina no cérebro, como se fosse criada uma condição de diabetes encefálico. Segundo a pesquisadora, isso mimetiza as fases mais iniciais da doença em humanos e acaba por prejudicar as sinapses – região onde ocorre a transmissão de impulsos entre neurônios.
Em animais tratados com a benfotiamina, foram observadas mudanças positivas. O experimento consiste em colocar o rato em uma arena, com dois objetos iguais. Os ratos são curiosos naturalmente, então eles tendem a explorar os objetos desconhecidos. Depois de dez minutos, uma das peças é trocada e o que se espera é que o animal ronde mais o novo objeto, pois sua memória conhece os dois primeiros. Mas o rato afetado explora ambos – o antigo e o novo – de maneira igual, como se não conhecesse o anterior: “O animal com Alzheimer explora indiscriminadamente, como se não lembrasse, e ele realmente não lembra”, conta Andréa.
Há, ainda, um outro teste de memória de longo prazo. Após 24 horas, é colocada uma terceira peça, que o rato também tenderia a explorar mais, o que não acontece. Por outro lado, o animal tratado com a vitamina B1 melhora sua condição e passa a sondar mais o novo objeto. Essa evolução é associada à relação entre a benfotiamina e o funcionamento de algumas enzimas da mitocôndria no encéfalo. Dessa forma, a suplementação de vitamina mostra uma recuperação no funcionamento mitocondrial do cérebro, que melhora o metabolismo do açúcar e, consequentemente, ameniza os problemas de memória do animal afetado.
Desafios
Quando questionada sobre as dificuldades e obstáculos encontrados ao longo da pesquisa, Andréa Torrão foi categórica: “O principal desafio é simplesmente manter a pesquisa em nosso país”. O laboratório, antes concentrado em investigar compostos canabinoides e seu papel terapêutico em doenças neurodegenerativas, se sentiu obrigado a mudar parte do objeto de estudo por motivações financeiras.
No início do ano foi publicado, ainda, um trabalho sobre canabinoides realizado em um modelo in vitro, ou seja, com neurônios isolados em ambiente controlado. “In vitro, as quantidades utilizadas nos tratamentos das células são bem menores, então ainda é viável”, explica a professora. Já no animal, a quantidade é dosada por peso, como se fosse um remédio; por isso, é uma dose muito maior. “Fica inviável do ponto de vista financeiro. Você gasta, às vezes, até 10 mil reais para tratar um pequeno grupo de animais. E por pouquíssimo tempo, para tratar cerca de três ou quatro dias. É impossível fazer um tratamento longo”, finaliza.
A pesquisa atual teve seu financiamento aprovado pela Fapesp há cerca de um mês e meio e, apesar da mudança de direção quanto aos estudos, a descoberta da benfotiamina representa um passo importante para a acessibilidade de tratamentos de longo prazo. E não só para métodos terapêuticos, mas para a prevenção, para o retardamento da doença ainda em estágios iniciais. “O fator de risco para a doença de Alzheimer é a idade. Então, por que não suplementar os indivíduos que estão chegando na faixa de risco com essa vitamina? Que é algo muito simples, está ali na farmácia, você vai lá, compra e toma”, reflete a professora.
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