
O câncer de pele não melanoma é o tipo de câncer mais comum no Brasil, representando 30% dos casos de tumores malignos do País, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca). É no caminho da prevenção dessa doença que vem a pesquisa de Camila Areias de Oliveira, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP.
Iniciado em 2016, o pós-doutorado de Oliveira conseguiu comprovar a segurança pré-clínica do uso de nanoestruturas para a aplicação de enzimas que ajudam na prevenção do câncer de pele não melanoma. Isso significa que as nanoestruturas entregam uma enzima que faz o reparo do dano do sol em camadas profundas da pele e que isso foi considerado seguro nos testes preliminares, podendo agora passar para testes clínicos, em humanos.
A ideia de trabalhar com nanobiotecnologia veio de uma união entre a área da pesquisa de doutorado de Camila, a fotoproteção, e a especialidade em nanoestruturas autoagregadas de sua supervisora, a Professora Carlota de Oliveira Rangel Yagui, do Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica da FCF.
“A ideia da linha de pesquisa é trabalhar com a fotoproteção ativa”, explica Camila. O objetivo do projeto, portanto, é tratar os danos do sol que ocorrem após a passagem pelas camadas superficiais da pele. Para isso foi escolhida a catalase, uma enzima que já existe no corpo humano, mas que vai reduzindo sua capacidade de combater o estresse oxidativo devido a sobrecarga de radicais livres, gerados a partir de fatores como a poluição e a radiação solar. A nanoestrutura, por sua vez, funciona como um reservatório, que leva essa dose adicional de catalase a regiões mais profundas da pele e possibilita que ela seja liberada para reparar o dano.
Enzimas e nanoestruturas
Quando a radiação ultravioleta entra em contato com a pele humana, ocorre um processo inflamatório que gera a formação de radicais livres, moléculas instáveis que levam ao dano do DNA e peroxidam os lipídeos na pele, ou seja, transformam água e oxigênio em peróxido de hidrogênio, componente químico que possui potencial de ser tóxico para as células. Esse processo pode levar a uma série de problemas por alterar a função de barreira do órgão, isto é, sua capacidade de proteger contra a desidratação e a penetração de elementos indesejados no organismo. A catalase age na contramão dessa reação: transforma o peróxido de hidrogênio em água e oxigênio novamente, prevenindo os efeitos negativos causados pelos radicais.
Apesar disso, a catalase é grande e hidrofílica, e não consegue atravessar a pele sozinha. Daí a necessidade de se utilizar uma nanoestrutura, que consiga atravessar as camadas superficiais e alcançar o local onde há dano.
As nanoestruturas poliméricas usadas na pesquisa de Camila, denominadas polimerossomos, medem por volta de 200 nanômetros, medida equivalente a bilionésima parte de um metro, e possuem uma característica de agregação que lhes permite formar bolsas com interior aquoso, que servem de cápsula para a catalase. Foi necessário desenvolver nanoestruturas estáveis, capazes de penetrar as camadas da pele para entregar a enzima, que preservassem a atividade enzimática e que fossem seguras para utilização.
O uso de nanoestruturas que penetram na pele humana, entretanto, ainda é controverso. Segundo Camila, como há a chance de que as partículas cheguem à corrente sanguínea é necessário redobrar o cuidado com a segurança: “Quem trabalha com nanotecnologia ainda está entendendo os limites da segurança, como regulamentar a tecnologia. O entendimento sobre o assunto ainda está sendo construído no Brasil e no mundo”.
Extensão de um ano

A pesquisa já foi praticamente concluída no que diz respeito ao desenvolvimento da nanoestrutura contendo a catalase e de sua segurança pré-clínica, mas foi estendida por mais um ano. O objetivo agora é medir a eficácia da reparação do dano induzido pelo Sol e continuar testando a segurança do produto, talvez chegando até mesmo aos testes em humanos.
Está sendo viabilizada também a produção nos laboratórios da Faculdade de outra enzima, a fotoliase, que também tem efeitos de fotoproteção ativa interessantes para o projeto. Caso seja possível produzí-la, ela também será estudada neste ano adicional.
Na prática, o resultado da pesquisa poderia ser aplicado em produtos cosméticos fotoprotetores em geral, como cremes anti-idade, protetores solares e produtos de pós-sol. Sobre a importância do tema, Camila comenta: “Podemos combater o câncer de pele pela prevenção primeiro, com produtos que hoje são considerados cosméticos no Brasil. É fundamental prevenir esses casos e evitar que essas pessoas procurem o sistema público já com uma doença avançada e o sobrecarreguem”.
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