Estudo analisa a relação da publicidade imobiliária com a natureza

Em sua dissertação, Evandro Sousa aponta como as propagandas transformam o meio natural em mercadoria

Publicidade do Jardim América no jornal O Estado de S.Paulo

As imagens sempre foram um recurso para a compreensão do mundo. Por meio delas, vários artistas puderam transmitir a sua interpretação do cotidiano. Um dos aspectos mais tradicionais a ser analisado é o ambiente urbano, como é o caso do trabalho de Honoré Daumier, que foi capaz de captar, por meio de suas ilustrações, as mudanças decorrentes da reconfiguração urbana realizadas em Paris no século 19.

É esse o ponto de partida para a dissertação Uma natureza só minha. Os discursos da natureza e a urbanidade da cidade de São Paulo de Evandro Soares Sousa orientado pelo professor Jaime Tadeu Oliva. Nela, é abordada a questão de como a publicidade do mercado imobiliário representa as noções de natureza e cidade. “Tenho formação de geógrafo e a questão da natureza é muito presente nesse meio. Quando me mudei para São Paulo, ao abrir os jornais, isso começou a se aprofundar quanto às propagandas. Eu as observava e questionava “que cidade nós temos e que cidade é levantada aqui?”

Ao analisar as peças publicitárias do mercado imobiliário, é possível perceber como a presença da natureza em condomínios fechados é destacada. O ambiente natural é, assim, mercantilizado e usado como ferramenta para atrair moradores que buscam seus próprios parques privativos no meio do caos da cidade.

A problemática ambiental

Nos últimos três séculos, o processo capitalista se intensificou e, com ele, a “dominação do homem sobre a natureza” prevaleceu. Com o progresso das ciências ambientais, tomou-se conhecimento dos impactos das ações humanas e dos problemas gerados por elas. Foi por volta da década de 1960 que a real preocupação e apreço pela natureza ganhou força. Durante esse período, houve um grande crescimento dos movimentos sociais críticos ao modo de vida da sociedade da época: receavam que aquele estilo de vida predatório poderia afetar as gerações futuras.

De início, o discurso ambientalista estava atrelado aos movimentos de contracultura, mas ele logo atingiu um nível institucional. Por causa da tentativa de conciliação entre a preservação e o crescimento econômico, esse ideal ecológico influenciou a elaboração de estudos e protocolos que tinham como objetivo reduzir a degradação ambiental. A crescente consciência ecológica foi responsável pela criação de uma nova modalidade capitalista: o ambientalismo corporativo, que tem como base o greenwashing, a atribuição de um “selo de sustentabilidade” a empresa e seus produtos. Tudo isso com o objetivo de atrair o chamado “consumidor verde”.

“Coloca-se como verdade que a finitude de recursos é um problema grave e que impacta na vida de todos os seres humanos do planeta. Isso vai afetar também as demandas de mercado e pautar algumas questões. Então o mercado vai se apropriar dessa discursividade da finitude dos recursos e consequentemente criar a chamada economia verde”, explica Evandro.

E é a partir da concepção de que é algo raro e finito, a natureza torna-se uma mercadoria a ser desejada e necessária para a sobrevivência. “Na ideia do conceito do desenvolvimento sustentável, a gente vê cada vez mais a concepção de uma natureza tratada como uma raridade e capaz de ser comercializada como um elemento importante no cotidiano”.

A natureza nas cidades

Em sua dissertação, Evandro aponta a maneira como a natureza é retratada na propaganda imobiliária. Em primeiro lugar, há clara intenção de se criar uma relação antagônica entre os meios natural e urbano. Este é sempre representado como caótico e mundano, enquanto o outro é idôneo, sagrado e puro.“São inúmeras as palavras que carregam um sentido de desprestígio em relação às cidades na propaganda. Há um ‘venha morar nesse local porque aqui é o oásis, aqui você vai encontrar liberdade’. Quando você pensa dessa forma, você vê uma relação antitética, entre a cidade que é uma coisa horrível e o local onde você vai morar dentro dessa cidade como uma coisa boa”.

Outro aspecto tocado pela dissertação é a relação entre público e privado na questão da representação da natureza. Tudo teria começado com a necessidade de se criar espaços naturais públicos dentro das cidades. No entanto, essa concepção de pertencimento ao urbano mudou para um discurso de valorização do privado, em que a importância da natureza para os espaços públicos era esquecida, em especial na publicidade imobiliária. “A natureza aparece como uma coisa exclusiva, única, só sua, diferente do modo em que, historicamente, é representada como um espaço público. O setor imobiliário ao discursar sobre a propaganda fere de maneira significativa o conceito de urbanidade, que é concepção de que a cidade promove o encontro do diverso. Quando representa a natureza como algo privativo, de alguma forma fere a ideia do que é a cidade. A discursividade da propaganda traz essa contrariedade”.

 

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