Ele quase sempre passa despercebido pela população geral, seja por normalmente ter pequenas dimensões em tamanho ou pela pouca atenção que recebe no currículo escolar brasileiro. O plâncton está em todos os cantos de todos os oceanos do planeta e é essencial na manutenção da vida marinha. Mas raramente é contemplado quando o assunto é preservação ambiental.
É esta falta de atenção e de reconhecimento que Ana Maria Rojo Prado busca combater com seu projeto de pesquisa. Ao menos, no arquipélago de Fernando de Noronha. A bióloga marinha vem há anos levantando e mapeando a diversidade planctônica da região através de coletas, mergulhos de observação, registros fotográficos e filmagens. Tudo isso com o objetivo principal de atrair o público local à importância de preservação desses organismos.
Mas o que é o plâncton?
Uma pergunta simples e que dificilmente recebe uma resposta imediata. Plâncton não é uma unidade taxonômica como muitos pensam: não é uma espécie, um gênero ou uma família de seres vivos. É, sim, um conjunto de organismos que possuem características comuns na forma como se locomovem nas águas. Nas palavras de Ana Maria, plâncton é um “estilo de vida” que várias espécies possuem. “Eles normalmente têm movimento próprio, mas não conseguem nadar contra uma corrente”, explica a pesquisadora. Vivem em suspensão, portanto, guiados por correntezas e movimentos d’água.
São muito variadas as características dos seres planctônicos no que engloba forma, tamanho e comportamento. Podem ser microscópicos, sendo invisíveis a olho nu, ou até atingir metros de comprimento. “As medusas, por exemplo, são planctônicas por não terem a mobilidade de um peixe para vencer uma corrente. Larvas de muitos seres marinhos também podem ser planctônicas: de um crustáceo, de um caranguejo, de peixes ósseos. Uma ostra em estágio larval também é plâncton”, exemplifica Ana Maria.
O plâncton é a base da cadeia alimentar marinha, e a sua preservação implica na manutenção de ecossistemas inteiros. Logo, mudanças drásticas na composição do plâncton no ambiente, seja por questões meteorológicas, geomorfológicas ou alterações antropogênicas, provocam impactos em série nos mais diversos níveis tróficos. Além disso, muitos organismos planctônicos fazem fotossíntese (fitoplâncton) e são responsáveis por devolver à atmosfera cerca de 80% do oxigênio do planeta.
Retorno da pesquisa à sociedade
Ana Maria dedica-se a viagens periódicas a Fernando de Noronha (PE), onde faz coletas de amostras com rede e registros fotográficos do trabalho em campo. Depois, retorna ao Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da USP, localizado em São Sebastião (SP), e realiza as análises de laboratório para a identificação das espécies coletadas.
Porém, ela faz questão de reiterar: “É feito um trabalho com a escola de lá, com pessoas de lá, as palestras são feitas lá. Aqui [no CEBIMar] é só a parte de laboratório”. A maior crítica da bióloga vai aos projetos de pesquisa que se isentam do retorno social, pois ele é ferramenta para se conseguir mobilização por mudanças reais. “Não se pode preservar aquilo que não se conhece. Então, é através da divulgação que despertaremos o interesse pela preservação”, justifica.
Medusa adulta (vídeo: Alvaro E. Migotto)
A bióloga já executou projetos de educação ambiental com a escola local, nos quais os jovens são conscientizados sobre o que é e qual a importância dos organismos planctônicos. “Saía com os alunos para fazer coletas e observações dos organismos vivos em laboratório através de microscópio e lupas”, explica. Assim, eles podiam visualizar na prática o conteúdo que também recebiam de forma teórica através de aulas e palestras.
Para dar vida ao projeto de extensão social, a bióloga contou com toda uma mobilização voluntária da região, o que incluiu operadoras de mergulho, fotógrafos e donos de embarcações. Os planos para o futuro, entretanto, ainda dependem de um amparo financeiro que ainda não veio: “Um dos objetivos principais do projeto é confeccionar um manual com o plâncton da região, de linguagem simples e que atraia turistas, curiosos e alunos, como também cientistas e professores”. Ela também pretende instaurar uma exposição fotográfica com o grande acervo colecionado durante a fase de pesquisa.
“Um trabalho de muita valentia”
Desde 2008, Ana Maria faz análises do plâncton em dezenas de pontos do arquipélago de Noronha, em épocas do ano e horários diversos. Todas as praias da ilha principal já foram contempladas com análises. De início, as coletas eram feitas quatro vezes ao ano em expedições que duravam em torno de 30 dias cada uma.
Ela explica que não basta fazer apenas uma única coleta em um ponto de análise, pois a quantidade e variedade oscilam do dia para noite e em diferentes épocas do ano. Existe, por exemplo, uma migração diária do plâncton da superfície para o fundo das águas de acordo com a hora do dia. Há também períodos de reprodução, correntes mais fortes ou mais fracas e outras questões sazonais que influenciam no resultado da amostragem.
Já os trabalhos em laboratório contam com a orientação de Tagea Björnberg, doutora em Ciências pela USP desde 1957 e com vasta experiência no estudo da Biologia marinha. Tagea atuou com pesquisa e docência em escolas, na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e no Instituto Oceanográfico da USP (IO-USP). Instalada no CEBIMar desde a década de 80, Tagea ministra disciplinas, orienta estudantes e desenvolve suas próprias pesquisas até os dias de hoje, com 93 anos de idade e sete décadas de carreira acumuladas.
A professora Tagea elogia a persistência de sua orientanda na execução da pesquisa: “Ela nadou no meio do plâncton, coletou, concentrou amostras. Rodeou toda a ilha principal, estudou as outras [ilhas] também. Fez um trabalho de muita valentia”. Para exemplificar a importância do trabalho, Tagea utiliza-se de uma analogia: “O que os mares unem as terras separam”. Ela quer dizer que, observando grandes extensões oceânicas, o plâncton é muito parecido em variedade de espécies. Mas ao chegar às proximidades da região costeira, há uma oscilação de quantidade e variedade, a depender do escoamento de sedimentos, das intervenções humanas, da proximidade de florestas e de outros ecossistemas. “É importante fazer essa comparação e entender o porquê dessas diferenças”, afirma a decana.
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