Um dos componentes do petróleo, o asfalteno, tem feito os químicos quebrarem a cabeça. Ele pode constituir até 20% do óleo bruto extraído das reservas, mas permanece sendo uma grande incógnita por causa de sua composição complexa. Para se ter uma ideia, em pesquisa recente, que reuniu cientistas da Suíça, Espanha e dos Estados Unidos, foram identificadas mais de 150 moléculas distintas presentes no asfalteno.
As incertezas científicas quanto à caracterização deste componente limitam sua real utilidade para a indústria. Atualmente, por exemplo, é aproveitado para a produção de asfalto e coque, durante o processo de refino do petróleo. No entanto, para retirá-lo, são empregados métodos com elevado gasto energético e altas taxas de poluição.
Com base nisso, Maria Luiza de Oliveira Pereira resolveu produzir sua tese de doutorado: Asfalteno: um desafio para indústria de petróleo e a busca de soluções pela nanociência. O estudo, realizado no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), avalia a possibilidade de transferir outras aplicações aos asfaltenos, por métodos que possuam menor gasto energético e impacto ambiental reduzido, além de favorecerem a valorização econômica do material.
“Pouco importante, porém muito crítico”
É assim, com descontraídas palavras, que Maria Luiza define o material com o qual trabalhou. E para compreender o problema relacionado a este componente, é necessário entender um pouco mais da sua estrutura, até onde isso é possível.
Os asfaltenos são constituídos de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, que fazem parte de uma das classes de compostos químicos mais poluentes e carcinogênicos. São encontrados no petróleo bruto na forma solúvel e, em condições estáveis, não representam problema algum à indústria.
Vários são os fatores determinantes para manter essa estabilidade, como a pressão e temperatura do meio. A composição do óleo bruto também é outra característica determinante – estudos afirmam, por exemplo, que óleos com alta quantidade de resinas, não por acaso, mantêm melhor o asfalteno em caráter estável. Os contratempos, porém, começam a surgir quando a estabilidade é convertida em instabilidade.
Na condição instável, o asfalteno passa por uma reação de precipitação, isto é, deixa de ser solúvel e se transforma em partículas sólidas insolúveis. Não se sabe as condições exatas em que isso acontece, mas é decorrente de uma combinação de fatores: alterações nas condições de pressão e temperatura, ou até na composição do óleo. Essas alterações podem modificar o parâmetro de solubilidade do óleo ou da associação resina-asfalteno, levando à precipitação.
É importante lembrar que, durante a cadeia produtiva, há várias etapas de recuperação do petróleo, que pressupõem tanto alterações físicas, como mudanças de pressão no reservatório subterrâneo para facilitar o transporte do petróleo, quanto químicas, que buscam reduzir sua viscosidade, por exemplo.
O fenômeno representa um grande problema para as indústrias, uma vez que ocorre a deposição do asfalteno e de outras macromoléculas sólidas nos reservatórios, e também causa incrustações nas tubulações de extração, que podem levar a seu desgaste e entupimento. O acúmulo pode inclusive levar à necessidade de recuperação de toda a cadeia produtiva, por exemplo, com solventes ou até substituição de equipamentos.
Entender as circunstâncias em que sua precipitação acontece é fundamental para a indústria petroquímica, afinal, este fenômeno é um dos principais problemas de produção do petróleo e traz enormes prejuízos. Não é à toa que há um esforço da comunidade científica para uma caracterização mais precisa do asfalteno. No entanto, muitos não voltam seus olhares para o uso do asfalteno.
Uma solução menos agressiva
Apesar das circunstâncias, os asfaltenos são utilizados, atualmente, para a fabricação de asfalto e coque, durante o processo de refino do petróleo. O método utilizado, em geral, é o da destilação destrutiva, que é realizada a temperaturas altíssimas, de cerca de 500ºC, e emite compostos de enxofre na atmosfera, o que a configura como altamente poluente.
Agora doutora pelo IQ, Maria Luiza pesquisou alternativas para o craqueamento do asfalteno, isto é, a quebra das partículas mais complexas em moléculas mais simples, através da fotocatálise e da catálise oxidativa. São métodos de aceleração dessas reações de quebra da molécula em compostos menores baseados na luz (radiações eletromagnéticas) ou nas propriedades térmicas e químicas dos óxidos, respectivamente.
“O craqueamento seria uma solução mais ambientalmente viável e mais econômica, se feita com catalisadores e/ou gerando compostos de maior valor agregado, algo que a ciência busca para valorizar o material”, afirma Maria Luiza.
A pesquisadora avaliou a interação entre os asfaltenos e diferentes nanomateriais com propriedades magnéticas e ópticas especiais, como as nanopartículas de óxido de ferro (Nmag) e os híbridos de nanopartículas de ouro com óxido de grafeno reduzido (RGO@AuNP).
Houve grande sucesso na pesquisa. Na presença das Nmags, conseguiu uma relevante redução na temperatura de craqueamento dos asfaltenos em mais de 100ºC. Já nas fotocatálises com o RGO@AuNP utilizando moléculas modelos, isto é, que simulam a estrutura de um asfalteno, os experimentos foram realizados à temperatura ambiente sob luz visível, e os resultados foram empolgantes: houve quebras com rendimento de 90%.
O trabalho inclusive rendeu a publicação de um artigo no Energy & Fuels, jornal da American Chemical Society (ACS): Photocatalytic Activity of Reduced Graphene Oxide–Gold Nanoparticle Nanomaterials: Interaction with Asphaltene and Conversion of a Model Compound.
O resultado da pesquisa representa um passo muito importante na tentativa de valorização do material. É possível, afinal, que o asfalteno deixe de ser um mero problema.
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