Casas autoconstruídas necessitam de reformas estruturais

Moradias em comunidades e ocupações apresentam diversos problemas que colocam a segurança e saúde de seus moradores em risco.

Foto: Carlina Garcia/IG São Paulo

É comum pensar que as condições de salubridade em favelas são resolvidas com os programas de urbanização, aqueles que levam infraestruturas básicas às áreas ocupadas. Como exemplos pode-se citar as obras de saneamento básico, instalação de luz elétrica e asfaltamento das ruas. Porém se esquecem de que as favelas e ocupações possuem inúmeros outros problemas, sendo um primordial: as casas.

Pensando nisso, a arquiteta Cláudia Bastos decidiu explorar quais as principais dificuldades a serem resolvidas nas moradias autoconstruídas em seu mestrado Melhorias habitacionais em favelas urbanizadas: impasses e perspectivas, produzido na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Suas conclusões comprovam alguns dos problemas estruturais já conhecidos, revelam algumas surpresas e expõe as dificuldades em resolver os impasses que circundam essa questão.

Para entender os problemas presentes nessas unidades habitacionais, foi preciso estudar o que é uma moradia adequada e como são as casas autoconstruídas. “Todos sabem que as casas em favelas têm problemas, mas não tínhamos dados quantitativos disso”, diz a pesquisadora. Ao estudar três comunidades na região de Diadema, ela identificou e separou os problemas encontrados em dois grupos: salubridade e segurança. Segundo ela, alguns dos problemas de conhecimento comum foram confirmados, mas outros foram uma surpresa devido à gravidade e a intensidade.

Bamburral Favela. São Paulo, Brazil/ Foto: Credits Kirsten Larson

Moradia Adequada

Segundo a ONU, o que torna uma casa adequada para ser habitada vai além de tetos e paredes. O acesso à educação e cultura, infraestrutura, a proximidade dos centros de oportunidade, presença de transportes e a segurança de posse são fatores externos à moradia, mas necessário para torná-la digna e habitável.

Quanto à estrutura da moradia, essas casas possuem inúmeras deficiências estruturais. É preciso garantir que elas sejam seguras quanto às intempéries, a segurança estrutural e que haja um espaço saudável para abrigar os moradores. O IBGE estipula que o adensamento máximo de uma casa é de três pessoas por cômodo.

Salubridade

Surpreendentemente, o principal problema encontrado por Cláudia foi a salubridade. Por serem lotes pequenos, os moradores consomem todo o espaço que podem, sem deixar espaços entre as construções. A consequência disso é que só há presença de janelas na frente da moradia.

Cruzando dados com a Secretaria de Saúde, a pesquisadora pode perceber que algumas doenças possuem uma incidência maior em áreas de favelização. As mais comuns são a leptospirose, dengue, meningite e coqueluche. A falta de luz, somada à precariedade da construção, torna os quartos do fundo propícios para invasão de animais transmissores de doenças, como ratos e mosquitos, responsáveis pela transmissão de leptospirose e dengue, respectivamente. A pouca ventilação torna o contágio por doenças transmitidas pelo ar mais comuns, como a meningite e coqueluche.

Outro agravante da questão das janelas é o fato de serem obras muito difíceis de serem realizadas quando a casa já está construída. “Não é só furar”, explica Cláudia. Quando o Estado se propõe a intervir nas moradias, elas já estão com mais de um andar construídos, o que encarece e dificulta a obra, pois não se sabe quais as condições da estrutura e das fundações das casas.

Segurança

Os problemas estruturais de unidades autoconstruídas são amplamente conhecidos. Além dos mais comuns, como os de construção, a fiação elétrica e a falta de guarda-corpo se destacam, principalmente este último. “Muitas unidades não têm guarda-corpo, tanto em escada quanto lajes, e dados da saúde indicam que a queda de escadas é uma das principais causas de internação em casos de acidentes domésticos”, explica Cláudia. Ela conta que os próprios moradores não importam tanto com essa questão.

Os problemas de edificação, apesar da pouca tecnologia da construção, não são os mais graves. “Apesar de não se ter como conferir as fundações, questões como trincas e rachaduras são pequenas”. Além disso, os moradores asseguram a solidez da sua construção, o que lhes permite verticalizar suas moradias até onde acham necessário.

Adensamento

Foto: Carolina Garcia/iG São Paulo

Um fator agravante, tanto da salubridade quanto da segurança, é o adensamento. As favelas são regiões extremamente povoadas, com índices de densidade demográfica muito superiores à cidade formal e que tendem a crescer de forma mais acelerada também. Isso gera impacto sobre os lotes e moradias.

Quanto mais pessoas, maior a necessidade de abrigo, portanto as casas vão se verticalizando e diminuindo de espaço. Como toda área é necessária de ser ocupada, questões de salubridade vão sendo negligenciadas, e a construção de janelas ou entradas de ar e luz vão sendo deixadas de lado.

Conclusões e Conflitos

Apesar de existirem alguns programas não governamentais que realizam reformas estruturais nas habitações, as chamadas obras ou intervenções de melhorias, eles não conseguem liquidar as defasagens em escala, pois suas formas de financiamento são muito instáveis. Alguns usam de doações, outras, financiamentos; isso torna o programa inconstante ou inacessível ao morador.

A pesquisadora argumenta que a moradia inadequada é consequência, antes de tudo, da falta do Estado, logo, as reformas habitacionais deveriam ser oferecidas e subsidiadas por ele, assim como as obras de urbanização. Entretanto, esse tipo de intervenção se encontra num limbo jurídico, uma vez que são obras estatais realizadas em propriedades privadas. Isso levanta uma série de conflitos.

Um deles é a expectativa do morador. “A casa autoconstruída representa todo um histórico de luta, não só de posse da terra, mas como todo um empenho da família em arrecadar recursos, o trabalho braçal na própria construção da casa… tem toda uma carga sentimental para aquela família. De repente chega o técnico ou o arquiteto e diz que tem que mudar um monte de coisa. Não é uma situação fácil,” explica Cláudia. Além disso, os programas de melhorias são obras essenciais que, muitas vezes, não são encaradas como prioridade pelas pessoas. “Às vezes, pro morador, ter uma janela não é tão importante quanto ter um revestimento interno”, ela diz ao contar que muitas vezes as intervenções de melhoria não são bem-vindas pelos habitantes, principalmente se as obras consumirem mais espaço interno.

Outro impasse que rodeia as reformas de melhoria habitacional está no fato de serem obras estruturais. Isso significa que são internas, dessa forma não são vistas ou percebidas rapidamente. Logo, esse tipo de intervenção não tem retorno político, uma vez que é difícil de usar como propaganda eleitoral por não ser facilmente percebida. Cláudia explica que isso é um dos motivos de existir mais programas de construção habitacional do que de reforma.

“Quando se compara o déficit habitacional com os dados de inadequação de moradia, a inadequação é maior que o déficit. Então a necessidade de reformar e melhorar é maior que a necessidade de construir”. É por isso que Cláudia defende que o poder público deve focar mais em obras de melhorias habitacionais do que na construção de novas habitações.

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