Histórias em quadrinhos constroem coletividade no Ensino de Física

Quadrinho da coleção Robinson, sobre satélites. (Imagem: Editora Rio Gráfica)

Métodos tradicionais de aprendizado ainda são predominantes, seja no ensino básico ou no superior. A possibilidade de ensinar ciência de um modo mais dialético e coletivo foi o que norteou a pesquisa de mestrado de Edimara Fernandes Vieira, no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). A dissertação buscou analisar o processo de atribuição de sentido às histórias em quadrinhos na licenciatura de Física, pautada nos métodos educacionais de Freire e Vigotski, pensadores importantes na construção da pedagogia atual.

“Eu nunca tinha estudado um quadrinho academicamente, só sabia aquilo que conhecia como fã”, conta Edimara. Foi esse o primeiro passo da pesquisa: entender o que é a história em quadrinhos e qual seu papel na sociedade, pensando na maneira de incluí-la em uma formação de professores de Física.

Após o entendimento das HQs e a elaboração de propostas didáticas, as disciplinas de Metodologia do Ensino de Física (MEF) foram o plano de fundo para a execução do estudo. A mestranda e sua orientadora, Maria Lucia Vital dos Santos Abib, propuseram que os alunos construíssem planos didáticos com os quadrinhos que quisessem, fazendo sessões de discussão para construir coletivamente as ideias. “Não queria que fosse algo técnico, ou seja, ir lá e ensinar o pessoal a usar quadrinhos para o ensino”, explica Edimara. “A ideia inicial do projeto era olhar como uma história em quadrinhos poderia estimular a criatividade, sem ser algo imposto pelo professor.”

A noção de coletividade da proposta foi baseada na postura educacional de Paulo Freire, que reforça a importância do diálogo em sala de aula. “Utilizei para a análise o conceito de curiosidade de Freire: a curiosidade do sujeito em torno de um objeto de estudo faz com que ele desenvolva sentidos para aquilo”, conta Edimara.

Segundo ela, é o panorama da transformação que se pauta na ação dupla, ou seja, um sujeito deve sempre ouvir e atender às necessidades do outro, sem se esquecer de sua responsabilidade na promoção de dinâmicas de aprendizagem. “Tudo era debatido nas aulas, trabalhado no coletivo e nenhuma decisão vinha direto da professora. É a ideia da construção social do que é ser professor.”

Exemplo de quadrinho utilizado no estudo. (Imagem: Gonick, L.; Huffman, A.)

De um grupo grande e engajado na disciplina, Edimara escolheu trabalhar com dois licenciandos, Tails e Rick, que mergulharam com ela no mundo das histórias em quadrinhos. A primeira análise feita foi descobrir qual a visão deles sobre os objetos: “Eles viam os quadrinhos como uma coisa de criança, apenas para se divertir. Algo sem muita importância e desconectado do ensino.”

Aos poucos, o engajamento no estudo das histórias em quadrinhos fez com que saíssem do senso comum e compreendessem o material dentro de um contexto maior e com um objetivo determinado. “Foram feitas relações com outras dinâmicas que constroem o que é ser professor”, exemplifica Edimara.

“Trabalhar quadrinhos academicamente não é fácil”, conta a pesquisadora. Afinal, como um objeto cultural de massa, as HQs são dificilmente valorizadas para além de seu papel no mercado. “A relação entre ciência e arte ainda não é algo muito claro para os pesquisadores, especialmente no Ensino de Física.”

Além de uma visão de mundo nova sobre os quadrinhos, o mestrado contribuiu para a construção do conceito de educação em Edimara. A perspectiva freireana utilizada foi importante para lembrar que a pesquisa lidava diretamente com pessoas, não apenas objetos de estudo. “A maior lição que o mestrado deixou pra mim é que, quando pesquisamos em educação, estamos trabalhando com pessoas, que precisam se reconhecer dentro do processo.”

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