A globalização vem alterando rapidamente o equilíbrio entre forças políticas e econômicas no mundo. O que pouco se percebe, no entanto, é o quão longe ela pode ter ido. A pesquisadora Angela Limongi, doutora em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP, busca entender em sua tese de pós-doutorado “Globalização, desglobalização e impactos na soberania estatal” como o sistema do direito responde às mudanças.
Segundo Angela Limongi, a denominada Quarta Revolução Industrial está em curso. Uma de suas principais características é a substituição do sistema de produção em massa para o modelo econômico pós-industrial. Nele, a divisão do poder ocorre de forma transnacional: “Com os mercados cada vez mais integrados e interdependentes, o equilíbrio entre as forças mercadológicas e o Estado foi alterado”, conta a pesquisadora. A autonomia e a capacidade de ação político-econômica dos Estados, então, se viram prejudicadas. As forças estatais não só teriam perdido poder político, como passaram “a conviver com a perda do controle sobre a produção normativa, levando a um contexto de desestabilização.”
A economia, então, passa a articular a política e o ordenamento jurídico à margem da ação estatal. Entre as consequências deste fenômeno, tem-se a gradual redução de direitos dos cidadãos e o abandono de propostas de bem-estar estatais, aliado ao triunfo do livre mercado nos Estados. No Brasil, por exemplo, houve a reforma trabalhista e o congelamento dos gastos públicos pelos próximos vinte anos, com a promulgação da Emenda Constitucional 95 — além do projeto de reforma da previdência.
Então, ganha forma o esboço de uma situação peculiar. De um lado, os Estados são cada vez mais pressionados por mercados, os quais têm dificuldade de controlar. De outro, são expostos a pressões e reivindicações internas que são impelidos a acolher, levando a um cenário de disjuntura e desestabilização — o cenário perfeito para que líderes carismáticos reivindiquem pautas excludentes e conservadoras, e massas insatisfeitas se inflamem. Mas não de modo receptivo à diversidade. Pelo contrário: excluem para que os de dentro se sintam incluídos; desejam conservar costumes e leis antigas, em reação às mudanças promovidas pela pós-modernidade. Mas o que faria tais movimentos ganharem força em pleno século XXI?
REAÇÕES POLÍTICAS AOS FENÔMENOS ECONÔMICOS
A intensificação da globalização aprofundou disparidades entre os diferentes movimentos políticos. Enquanto alguns grupos se inseriram em seus processos, outros não tiveram o mesmo êxito. Angela Limongi conta que “os movimentos políticos de saída de Estados dos blocos econômicos, que constituem facilitadores da globalização, ganharam força.”
Há os movimentos insurgentes contra a União Europeia, por exemplo. Conhecidos como “Brexit”, “Frexit” e “Grexit”, eles ocorrem no Reino Unido, na França e na Grécia, respectivamente. No caso do Reino Unido e da França há um apelo nacionalista e pressões políticas conservadoras, mais ligadas à imigração. Na Grécia, além dessas questões, há a insurgência contra as políticas de austeridade impostas pela União Europeia.
No Brasil, as tendências ultraconservadoras também são sentidas. A mudança das principais reivindicações políticas é reflexo disso. Há cinco anos, houve uma série de eventos conhecidos como “Junho de 2013”. Na ocasião, grandes mobilizações populares reivindicavam a diminuição das tarifas dos transportes públicos, da violência policial, da corrupção e dos gastos exorbitantes com eventos esportivos. Nos últimos dois anos, no entanto, a diversidade de pautas se reduziu a uma busca “contra a corrupção”.
A DESGLOBALIZAÇÃO
Entender os movimentos pró e contra a globalização é uma tarefa complexa. Não há uma delimitação clara entre um e outro. Movimento e contramovimento convivem e compartilham os mesmos espaços. Mas há quem tente. O sociólogo Walden Bello é um exemplo. No início dos anos 2000, cunhou o termo “desglobalização” como proposta de alternativa ao capitalismo liberal que se intensificou com a globalização. Com a fissura entre ricos e pobres aumentando, Bello visou uma maneira de mitigar as fissuras sociais provenientes desse processo.
A principal das propostas de Walden Bello envolve fazer com que os mercados domésticos sejam o centro da atividade econômica — e não o mercado global. Com os mercados domésticos fortalecidos, as economias nacionais se veriam, ao mesmo tempo, mais fortes e independentes. O equilíbrio seria maior, a despeito do enriquecimento de poucos países a custa de muitos.
Entre todas as indagações que pairam sob a ideia de soberania atualmente, a principal é saber se ela pode ser reformatada. “A única certeza no momento”, conclui, “talvez seja a da busca incessante por uma autorreferência, esteja ela residindo no Estado ou fora dele.”
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