Mulheres homossexuais sofrem preconceito no sistema de saúde na maternidade

Pesquisa da USP mostra discriminação na concepção, parto e pós-parto de casais homoafetivos femininos

Foto: Reprodução/Gabi Trevisan

A pesquisadora Paula Galdino, da Faculdade de Saúde Pública da USP, analisou em um estudo o preconceito sofrido por casais homoparentais femininos pelo Sistema Público de Saúde (SUS). Ela afirma que mulheres que procuram ajuda médica para se tornarem mães passam por violências físicas e psicológicas por parte dos profissionais.

“As mulheres podem enfrentar situações de desconforto com a postura dos profissionais em vários momentos, incluindo a suposição da heterossexualidade, o questionamento da legitimidade do casal e situações de privação de direitos, como não ser permitida a presença da parceira que não engravidou na hora do parto,” explica ela. Além disso, ainda não é previsto por lei que casais homoafetivos realizem o processo de reprodução assistida pelo SUS, o que os leva ao sistema particular de saúde com preços absurdos e muita discriminação.

Galdino ressalta que isso é causado pela sociedade altamente heteronormativa brasileira. “A naturalização do modelo de família heterossexual, que pressupõe a existência de um “pai” e uma “mãe”, é um dos fatores que pode indicar que os serviços não estão preparados para incluir na assistência configurações familiares distintas e afetar o atendimento recebido por pessoas homossexuais,” diz. “Clínicas e hospitais em geral estão organizados para receber casais heterossexuais, onde cartazes, formulários, fichas, fotos de decoração e outros elementos incluem apenas a possibilidade de espaço para homem e mulher, pai e mãe.”

Ela continua: “Está explícita uma heteronormatividade que muitas vezes exige até mesmo o vínculo do matrimônio, esposo e esposa. Isso exclui e pode se constituir como um tipo de violência simbólica não apenas para famílias homossexuais, mas como também outras constituições familiares, como as monoparentais por exemplo.”

Outro fator que causa esse tipo de preconceito com casais LGBT é a falta de informação no sistema educacional dos profissionais de saúde. Galdino explica que raramente tais temas são discutidos em cursos de medicina e enfermagem, fazendo com que os especialistas na área não tenham informações suficientes para tratar essas pessoas. Além disso, outros trabalhadores envolvidos no cuidado, como recepcionistas e seguranças, precisam estar preparados para esse tipo de atendimento.

Com esse despreparo, a pesquisadora ainda afirma que especificidades de casais homoparentais femininos são ignoradas, como as várias técnicas de reprodução, a participação biológica de uma ou das duas mulheres e a possibilidade da dupla amamentação.

A pesquisadora ainda adiciona que o trabalho de parto pelo Sistema Público de Saúde pode ser violento também para mulheres heterossexuais. De acordo com pesquisas, no Brasil, a taxa de cesarianas é de 52%, mesmo a ideal sugerida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sendo de 15%. Se considerado apenas o serviço privado, esse número sobe para 88% dos nascimentos, o que pode ser muito prejudicial para a mãe e para o bebê, já que essa forma de parto é associada a maiores hemorragias, complicações cirúrgicas, infecções e dificuldades na amamentação. Além disso, foi reportado um aumento na violência obstétrica, sendo ela física, verbal, violação de privacidade, recusa de internação, cuidado negligente, que vão contra a declaração dos direitos humanos da OMS.

Por conta desse cenário, vem crescendo a prática do parto humanizado, o qual consiste na mulher tomar todas as decisões em relação ao nascimento de seu bebê. “As experiências de outros modos de parir são realizadas por mulheres que desafiam esse sistema e procuram maneiras mais naturais e menos intervencionistas de vivenciar a experiência do nascimento do bebê,” relata Galdino. “Para conseguir o parto vaginal sem muitas intervenções, muitos casais buscam informações e escolhem um profissional que se comprometa a realizá-lo. Entretanto, pessoas que não têm condições de contratar uma equipe de sua escolha ficam reféns de convênios ou da assistência prestada pelo SUS, que varia de acordo com o plantonista.” Ademais, ela explica que diferentes aspectos das mães, como etnia, classe social, idade e parceria sexual determinam a aceitação social dessas maternidades.

Galdino aponta que, apesar de avanços na saúde materna, como a Lei do Acompanhante, a qual prevê a presença de alguém da escolha da mãe em sua companhia durante todo o processo, os planos de parto e a universalização do acesso ao pré-natal e ao parto, ainda há muito o que se fazer para a inclusão de casais homoafetivos. “Diferentes intervenções podem melhorar a qualidade dos cuidados prestados aos casais homossexuais, como a criação de leis e políticas públicas, mudanças estruturais dentro do sistema de saúde e melhor treinamento para os profissionais.”

“Além de alterações na legislação e políticas públicas existentes, é preciso promover também mudança nas práticas de saúde, o que ressalta a importância da formação e capacitação contínuas dos profissionais dessa área, além da reorganização institucional de forma a produzir um cuidado não discriminatório,” continua ela. “A reivindicação é por uma mudança cultural que exige a participação ativa dos profissionais de saúde, gestores e responsáveis por sua formação.”

De maneira mais prática, a pesquisadora ainda diz que ações como perguntar como essas pessoas querem ser chamadas, certificar-se de que ambas as mulheres sintam-se bem-vindas e confortáveis com o atendimento e usar termos linguagem neutra sem presumir a heterossexualidade podem ajudar a solucionar esse problema do atendimento preconceituoso. “Um exemplo de avanço no Brasil é a caderneta da gestante distribuída pelo SUS. Ela é um instrumento fundamental para o registro das informações e acompanhamento da gestação e sua nova versão, de 2016, inclui a opção de parceiro ao invés de pai e mãe,” completa.

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