Icebergs no Hemisfério Norte influenciam os regimes de chuva sul americanos

Pesquisa do IGc descobriu que as grandes massas de gelo alteram as monções em nosso continente

Imagem: Pixabay

Um grupo de pesquisa do Instituto de Geociências da USP (IGc), dirigido pelo professor Francisco William Cruz, estuda há mais de dez anos o regime de chuvas do Brasil e da América do Sul no geral. O objetivo é reconstruir o clima do passado a partir de elementos geológicos do presente, principalmente para estabelecer relações entre outros eventos climáticos mundiais e as chuvas sul americanas.

A descoberta mais recente do grupo foi a confirmação de que eventos de icebergs no Hemisfério Norte, no Oceano Atlântico, impactaram as monções (regime de chuvas) da América do Sul. Durante as eras glaciais, esses icebergs passaram por períodos de resfriamento abrupto e houve a expansão das camadas de gelo. É convencional pensar que esse tipo de mudança afetaria o clima em escala global.

Porém, o que antes não havia sido descrito era a relação dos icebergs com o regime de chuva do nosso continente. Essas grandes massas de gelo intensificam o elo entre os hemisférios, da seguinte maneira: ao passar por um resfriamento abrupto e por uma expansão da camada de gelo, o Hemisfério Norte redistribui a umidade para o Sul, deixando o clima sul americano mais úmido. Caso ocorra um aquecimento abrupto, a América do Sul torna-se mais seca. Segundo Francisco, aquecimentos repentinos provocaram, no passado, “secas drásticas” no continente. No Pará, por exemplo, eles tiveram uma estimativa de redução de até 50% de chuva em algumas épocas durante o último período glacial.

“Temos uma relação entre clima frio no Hemisfério Norte com eventos mais úmidos no Hemisfério Sul. Isso já existia. O que não tinha sido descrito ainda é que, além do resfriamento atmosférico e do mar, os eventos de icebergs causam uma intensificação do clima na América do Sul”, complementa o pesquisador.

Método de pesquisa

O grupo analisa o regime de chuvas a partir de espeleotemas, isso é, formações geológicas de cavernas. O estudo foca, mais especificamente, nos estalagmites, já que eles são resultado direto das precipitações dentro desses espaços. “No momento que um estalagmite é precipitado, um sinal do clima da época da sua formação é guardado. Como ele é formado a partir da água de gotejamento, e essa água vem da chuva, tem como fazermos um link geoquímico da composição do carbonato com o clima da época”, relata Francisco.

Amostras de estalagmites recolhidas pela equipe de Francisco para análise. (Foto: Giovanna Simonetti)

Os estudos dos estalagmites são, primordialmente, relacionados aos isótopos de oxigênio presentes em sua composição. Os isótopos em questão são os de massa 16 e 18. No processo de formação da chuva, o oxigênio 16, por ser mais leve, adequa-se melhor a fase gasosa, a de vapor. Já o oxigênio 18, com massa maior, fica na fase líquida. Consequentemente, quanto mais chuvoso for o clima, mais o isótopo de massa 18 será convertido para a fase líquida e o vapor residual será rico em oxigênio 16. Mas como isso ajuda a saber o volume de chuvas de uma época específica? Os pesquisadores utilizam os estalagmites para desenvolver uma proporção de isótopos. “Quanto menor for a razão entre o oxigênio 18 e 16, significa maior volume de chuva na região”, explica o pesquisador.

Juntamente com esses dados dos espeleotemas, os estudiosos cruzaram informações da expansão do gelo no norte da linha do Equador para estabelecer a conexão entre os icebergs e as monções sul americanas. Francisco detalha o processo: “Temos os chamados ice rafted debris (IRD), que são quebras dos icebergs, pedaços que carregam materiais. Se houve indícios de IRD no fundo do mar, é porque ali houve icebergs e são indícios de ampliação de gelo. Essa expansão esfriou o Oceano Atlântico, e consequentemente, empurrou a umidade para a América do Sul”.

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