Estudo aponta aumento no nível de gases do efeito estufa após implantação de Belo Monte

Pesquisadores têm fortes indicações de que o fluxo de metano foi afetado consideravelmente após barragem no Rio Xingu

Foto: Marcelo Camargo

A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, localizada no Rio Xingu, já foi alvo de duras críticas e polêmicas desde antes de sua construção. Ambientalistas alertaram para os perigos envolvendo a vazão do rio e os impactos na fauna e na flora local. Ativistas lutaram para garantir os direitos das populações ribeirinhas e indígenas na região. Porém, por tratar-se de uma hidrelétrica, um aspecto nunca foi realmente levado em consideração: a emissão dos gases do efeito estufa.

O Rio Xingu possui naturalmente bactérias e arqueobactérias metanogênicas que liberam para a atmosfera dióxido de carbono e metano principais gases do efeito estufa pelo ciclo do carbono. Porém, uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Geociências da USP (IGc) tem fortes indicações de que o fluxo dos gases do efeito estufa aumentará significativamente na região por conta da implantação da barragem. O projeto, elaborado pelo doutorando Dailson Bertassoli, tem medido continuamente os níveis de metano e dióxido de carbono no rio antes e depois da construção da represa, assim consolidando uma base de comparação e controle raramente realizados com outras usinas. A explicação principal para o aumento das emissões desses gases é que, ao barrar um curso d’água, materiais orgânicos acumulam junto com sedimentos no fundo do rio e estimulam o maior processamento de carbono por esses microorganismos.

Segundo Dailson, outros estudos sobre a maior emissão de gases do efeito estufa em hidrelétricas já foram realizados em áreas tropicais. Contudo, poucos desses dados são bem interpretados e levados em consideração no momento de estruturação da rede energética de uma região. Além disso, os resultados nem sempre são os mesmos: dependendo do caso, o aumento das emissões pode ser mínimo ou ser muito significativo, até mesmo aproximando-se dos níveis de termelétricas. Por essa variação inconstante, os números normalmente são desconsiderados em estudos de impacto ambiental.

No caso específico do Rio Xingu, a coleta de dados realizada por três anos consecutivos aponta para uma variação significativa no nível de metano na atmosfera local. Os pesquisadores não possuem um percentual concreto do aumento, mas pelo o que foi analisado até agora, pode-se afirmar que não é mínimo. “Nesse caso, acredito que os números não são tão próximos às emissões de uma termelétrica, mas é uma fração relevante. Não é 0,2% maior, é um negócio que promete ser maior”, afirma Dailson.

Pesquisadores com o equipamento utilizado para coletar o gás no Rio Xingu. Foto: Thomas Akabane

O futuro energético brasileiro

A real intenção da pesquisa na Amazônia vai além de Belo Monte: o objetivo principal é servir como base para a análise de implantação de hidrelétricas no Brasil, especialmente em referência às futuras usinas no norte brasileiro, como Tapajós. Dailson explica que os dados do projeto deixam claro o aumento nos níveis de metano por conta da usina, fato que deve ser considerado nas análises de impactos ambientais de hidrelétricas. “Isso tira um pouco o mérito das usinas hidrelétricas como energia limpa, principalmente relacionado aos gases do efeito estufa”, reitera. Para ele, é essencial entender de forma mais completa as emissões e avaliar se esse meio de produção energética vale a pena, já que ainda existem outros impactos ambientais e sociais envolvidos.

A ideia é ajudar o Brasil a estruturar sua rede de produção de energia de maneira mais consciente e equilibrada. Atualmente, grande parte de nossa matriz de energética concentra-se em hidrelétricas, o que, segundo Dailson, é um problema. Ser tão dependente dos cursos hídricos para gerar energia nos torna vulneráveis e suscetíveis a adversidades se algum contratempo acontecer, como a seca ou falta de chuvas. Por esse motivo, é preciso diversificar a matriz brasileira e, ao mesmo tempo, avaliar os prós e contras de cada alternativa.

Próximos passos

Após três anos essenciais de coleta de amostras, o grupo de pesquisa na Amazônia começa uma nova fase: a de tratamento dos dados. As amostragens principais já foram analisadas e, agora, precisam ser transformadas em números e porcentagens concretas, para serem publicadas no futuro.

É importante também manter as medições do fluxo de gases, para entender como os números irão se comportar em um maior período de tempo. “Não sei se vamos conseguir manter um ritmo de coleta tão grande quanto antes, nos ciclos de seca e cheia. Mas a nossa ideia é manter essa análise em longo prazo. Isso vai ser um estudo de grande relevância em comparação com o que a gente tem hoje, porque é difícil existir uma avaliação tão completa como essa de Belo Monte. Isso vai servir como base para vários outros reservatórios que estão planejados para o norte brasileiro”.

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