A crise de 2008 foi uma das mais sérias do século e repercutiu no mundo inteiro em diferentes graus de impacto — e os países europeus foram um dos principais atingidos fora do solo americano. Nesse sentido, reflexos dessa crise reverberam até hoje. Um desses reflexos foi o fortalecimento de partidos de extrema direita, tema de dissertação de mestrado no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP). O autor da dissertação, Leonardo Falabella, é também doutorando em Ciência Política na Universidade da Califórnia, San Diego.
Falabella estudou como a crise econômica nos países europeus proporcionou terreno fértil para o aparecimento ou crescimento de votos anti-establishment (isto é, de partidos que questionam os partidos então vigentes) e de partidos populistas — o pesquisador afirma que há uma série de estudos que englobam esses dois temas, mas poucos que os analisam diferenciando os espectros ideológicos e votos para a extrema direita e para esquerda radical. Ele questiona, mostrando sua linha de pesquisa: “Se dado que partidos anti-establishment e populistas estão em alta em um número considerável de países europeus, porque alguns países estão indo para a direita e outros para a esquerda?”.
Analisando 19 eleições parlamentares de oito países europeus (Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Holanda e Espanha) no intervalo de tempo entre 2002 e 2011, bem como literatura já existente sobre o tema (de autores como Cas Mudde, Pippa Norris e Ronald Inglehart), Falabella concluiu, pontuando que seu estudo demonstra mais correlações do que causalidades: “Quando existem crises econômicas, a regra é que partidos de extrema direita se sobressaiam e a exceção é que os partidos de esquerda radical tenham mais sucesso”. Para avaliar a crise, ele utiliza dados de crescimento econômico, PIB per capita e desemprego desses países.
Antes de comentar os motivos pelos quais há essa diferença entre a extrema direita e a esquerda radical, o pesquisador analisa o populismo e o anti-establishment em si — o que são conceitualmente e por que aparecem. “Uma definição muito adotada de populismo é qualquer político, partido ou movimento que tenha um discurso que procure dicotomizar a sociedade entre elites e população e tente antagonizar as elites”, diz, ressaltando que há divergências nessa definição nas literaturas sobre o tema. Sobre o anti-establishment, diz: “É qualquer discurso que procure questionar as instituições políticas e vilanizar os partidos tradicionais, de esquerda ou direita. No caso da Europa, é muito comum que o poder seja disputado por partidos da tradição social-democrata, de um lado, e cristão conservadora, de outro”. Ele explica: “contextos de crise, como a de 2008, fazem com que o eleitorado fique mais propício à frustração com o sistema político”.
A extrema direita
Falabella menciona, em sua tese, que a direita tende a aparecer principalmente em países mais ricos e com níveis de desemprego relativamente baixos. Além disso, haveria uma espécie de preocupação com o futuro econômico — uma economic anxiety — como um dos fatores usados estrategicamente por partidos do tipo. “As pessoas podem ficar frustradas com o sistema político devido à essa ansiedade e, por isso, vão buscar uma alternativa fora do usual”.
Apesar de não abordar em sua tese a questão das elevadas taxas de migração e a xenofobia, já que focou nos indicadores econômicos, o pesquisador aponta uma hipótese: “Não necessariamente as pessoas que estejam votando para a extrema direita acreditam que os imigrantes devam ser culpados pela crise. Porém, alguns acreditam que houve uma diminuição do bolo econômico, e querem fatias maiores, querem que os imigrantes vão embora e deixem de competir por recursos”, explica, acrescentando que muitas vezes essas populações migrantes são alvos do discurso de partidos de direita. Porém, de maneira contraintuitiva, ele aponta em sua tese: “apesar da evidência de que atitudes xenófobas traduzem-se em apoio a partidos de extrema direita, pesquisas de opinião indicam que essa relação não se transfere para níveis nacionais: um país em que grande parte da população demonstra atitudes xenófobas não necessariamente terá uma extrema direita forte”.
A esquerda radical
Falabella observa que a ascensão de partidos de esquerda radical é exceção e esses tendem a aparecer mais em países que apresentam duas particularidades: taxas de desemprego altíssimas e excepcionais (mesmo para contextos de crise) e programas de cortes de gastos e de austeridade fiscal.
Para exemplificar, o pesquisador cita países como Portugal, Espanha, Irlanda e aquele cuja austeridade fiscal mais repercutiu na comunidade e no noticiário internacionais: a Grécia. “No caso europeu, havia um conflito entre o que as populações desses países desejavam, que era uma manutenção dos gastos sociais, e entre o que a União Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI (Fundo Monetário Internacional) prescreviam: cortes drásticos nos orçamentos dos governos”, diz.
Como havia esse conflito entre as populações que estavam sofrendo com o desemprego e apresentavam uma demanda por investimentos públicos e entre instituições financeiras que prescreviam medidas de austeridade, “muitas vezes essas instituições eram todas como inimigo – e os partidos de esquerda radical seriam vistos como os mais aptos a enfrentarem esse tipo de inimigo”.
O período mais recente
O período que Falabella analisa é de 2002 a 2011 — porém, aponta tanto em sua tese quanto em entrevista à AUN casos mais recentes de votos anti-establishment e de partidos de extrema direita. Na Espanha, menciona o Podemos, partido anti-establishment de esquerda que surgiu em 2014. Na Alemanha, a direita ultranacionalista pode ser observada na Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), fundada em 2013 e que, em fevereiro de 2018, conseguiu pela primeira vez o número de votos suficientes para ingressar no Parlamento federal — “ A Alemanha está vivendo uma situação que torna o país propício ao crescimento de partidos de extrema direita”, diz. Na Itália, há o Movimento 5 Estrelas (M5S), populista, e que até mesmo se autodefine como “não partido”.
Por fim, menciona um exemplo geograficamente mais próximo do Brasil: “a eleição do Trump com certeza é anti-establishment. Muito do que se discute — tanto da questão da imigração quanto questão do comércio e da economia internacionais — estão presentes na sua eleição”.
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