Partilha do poder político em sociedades plurirreligiosas enfraquece Estado nacional

Constantes rupturas institucionais no Líbano apontam necessidade de revisão do arranjo consociativo

Tripoli - segunda maior cidade do Líbano [Créditos: Elissa]

Em 1942 foi adotado o chamado modelo consociativo de democracia parlamentar no Líbano. Esse sistema político consiste na distribuição proporcional de poder político e institucional para as diversas comunidades religiosas da região, conforme seu peso demográfico. Dessa forma diferentes elites estariam acomodadas, conflitos seriam evitados e a estabilidade democrática seria mantida dentro de sociedades completamente segmentadas.

Na tese de doutorado – O modelo consociativo para sociedades plurireligiosas; reflexões e aprendizados sobre a experiência confessional libanesa – a pesquisadora Natalia Nahas Carneiro Maia Calfat, analisa como a implementação desse modelo para o território libanês pode estar fragilizando o sistema democrático e provocando ainda mais rupturas políticas religiosas no país.

O Líbano hoje possui cerca de 18 religiões oficiais, sendo as principais muçulmanos sunitas, xiitas e drusos, cristãos maronitas, ortodoxos e gregos, judeus e armênios, considerado um dos últimos enclaves cristãos, onde as diversas etnias convivem em relativa harmonia devido ao arranjo político divisional. Até 1975, o país localizado a leste do Mar Mediterrâneo foi visto, segunda a pesquisadora, como “símbolo de cosmopolitismo e convivência religiosa”, considerado a Paris do Oriente.

No entanto, a tese aponta para um aumento de conflitos sectários e institucionais dentro país que remonta desde do fim da Guerra Civil (1975-1990) e continuam com as crises de governança de 2005 e 2008, e  os vácuos presidenciais de  maio de 2014 á outubro de 2016.  Em meio a esse caos político ainda se soma constantes crises de energia, água e lixo.

Para a pesquisadora tal cenário, explicita não apenas uma falta de coordenação política, mas, principalmente, uma lacuna de representatividade de elites religiosas, além  das já tradicionais no poder. Como exemplo podemos citar a ascensão do grupo Hezbollah em 2008.  Natalia questiona, inclusive se existência de um grupo fortemente armado influência no desajuste desses sistema político.

Apesar do grupo xiita estar associado a guerra de 2006 contra Israel, que causou a morte de civis e significativos danos na infraestrutura civil do Líbano, a inserção do Hezbollah está integrada na dinâmica parlamentar e eleitoral, e significa um balanço entre a efetiva representatividade de cristãos e muçulmanos. Trata-se de mais um elemento de análise da pesquisadora dentro desse jogo de forças da conjuntura política libanesa que está inserido dentro do panorama histórico do país.

O modelo consociativo aplicado no Líbano possui elevado grau de institucionalização, isto é os cargos governamentais de alto nível, de gabinetes, de assentos no legislativo e de empregos públicos são distribuídos proporcionalmente para as diversas religiões. No entanto, em especial, no território libanês essas diferenças religiosas refletem na estrutura social e política do Estado. A pesquisadora explica que esse arranjo chama-se taifiyya.

Natália defende que um modelo tão rígido de distribuição de poder entre as elites tradicionais como o libanês contribui para aumentar o sectarismo identitário, assim como a intolerância, além de fomentar o clientelismo dentro das bases políticas religiosas. Assim, a pesquisadora tem como objetivo mostrar que a institucionalização das diferenças religiosas  “enfraquece o Estado nacional promovendo feudalização, elitismo e instabilidade institucional”.

Segundo a pesquisadora, sua tese é importante contraponto dentro da teoria clássica do consociativismo ao mostrar que ao contrário do que se pensava tal modelo não promove maior representatividade e sim sociedades profundamentes divididas. Natália, também, desnuda o Estado fraco e o patrimonialismo por trás da máscara de país modelo de democracia para o Oriente Médio –  a Suíça do Oriente.

 

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