Apesar de ainda pouco discutida, a poluição luminosa já é uma preocupação no mundo inteiro. Seus efeitos já são fortemente sentidos em campos como a astronomia, e a saúde humana, mas negligenciados na área econômica. O trabalho do pesquisador José Laercio Araújo, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, analisa a fundo a temática, e apresenta um projeto de lei que, juntamente com um processo de conscientização educacional, pretende reverter o quadro atual.
“É difícil tirar esse conceito [de poluição luminosa], porque todo mundo gosta de luz. Só que fora da atmosfera tem uma coisa muito mais bonita e importante que a gente não enxerga mais”, afirma o professor Enos Picazzio, orientador do trabalho.
Diversa e desconhecida
Laercio conta que poluição luminosa é o excesso de luz artificial. O pesquisador identificou cinco tipos distintos de poluição luminosa. A primeira é a chamada skyglow, ou luz difusa, que representa a iluminação geral das cidades que cobre a atmosfera. Depois, a luz ofuscante, que afeta fortemente a segurança na medida em que prejudica a visão por ser direcionada aos olhos.
A terceira é a luz intrusa, que entra pelas janelas advindas de fontes de casas ou prédios vizinhos. A luz desordenada é o quarto tipo, representando o cenário onde vários tipos diferentes de fontes luminosas se somam de forma caótica. A última é a luz esbanjada, majoritariamente representada pelos holofotes. “Lá fora, inclusive, essa luz é sobretaxada. Quem usar, paga mais”, ressalta o pesquisador.
Picazzio explica que uma cidade muito iluminada afeta também cidades vizinhas. “Se você tentar enxergar Campinas daqui [de São Paulo], você não consegue. Mas se você for até o sul de Minas Gerais, no observatório de Brazópolis, em uma noite boa, sem nuvens, você consegue enxergar aviões se aproximando de Guarulhos”, afirma.
Implicações
Os efeitos da poluição luminosa na sociedade são diversos, como demonstra o pesquisador. Na educação e produção de conhecimento, o excesso de iluminação artificial prejudica a área da astronomia, dificultando os estudos e análises feitos do Universo observacionalmente. “Os astrônomos trabalham, basicamente, com captação de luz, de estrelas ou de reflexos de satélites, por exemplo. E essa luz não tem chegado aqui como deveria”, afirma Laercio.
Quanto à segurança, o pesquisador evidencia um equívoco do senso comum: a ideia de que quanto mais iluminado, mais seguro é o ambiente. Se a luz que serve a este local é mais forte que o necessário, a tendência é de ofuscar a visão e, consequentemente, diminuir a percepção de qualquer objeto que ali esteja.
Como exemplo deste cenário, Laercio cita as mudanças no sistema de iluminação da Cidade Universitária. “Na USP, mudaram o objeto que ampara a fonte de luz, e a fonte em si.” Ele continua, afirmando que a altura dos postes também sofreu alterações, ao que o orientador professor Enos completa: “a USP ficou melhor iluminada, gastando menos e sem jogar luz para cima”.
Na saúde e no meio ambiente, esse tipo de poluição afeta todos os seres. A fauna percebe seus efeitos a partir do momento em que a luz artificial interfere nas dinâmicas das espécies. Os vagalumes, por exemplo, que se utilizam de sua própria bioluminescência, têm sua comunicação impedida. As tartarugas são outro exemplo, que se guiam pela luz da Lua para encontrar seu caminho para o mar quando nascem, e são confundidas pelas luzes do continente, resultando na morte de muitas.
Os processos de fotossíntese também são afetados, sendo mantidos mesmo durante a noite, incentivados pela luz artificial. Já as consequências para os seres humanos já são, de certo modo, conhecidas. A questão da produção de melatonina, o “hormônio do sono”, que não tem sido formada adequadamente em grande parte da população por causa e fortes exposições noturnas à luz, tem sido amplamente discutida nos últimos anos. No entanto, segundo o pesquisador, todo o ciclo circadiano – metabolismo do corpo humano durante um dia – tem sido prejudicado. O tema, inclusive, foi ganhador do prêmio Nobel de Medicina neste ano.
Segundo o pesquisador, há evidências também de maior incidência de câncer de mama em decorrência de fortes exposições à luz, também durante o período da noite.
Por fim, na economia os impactos são igualmente contundentes. “A gente olhou outros países, como Chile, Espanha e Itália, e, em média, vimos uma redução de 20% na economia [após as mudanças na iluminação]”, afirma Laercio. No Brasil, os cálculos foram feitos acerca do total de consumo de energia elétrica, e, depois, a iluminação pública, foco da pesquisa, foi particularizada.
Segundo os dados, coletados em agências como a EPE e a Aneel, em média, o Brasil consumiu 38 bilhões de kilowatts/hora em 2016. A iluminação pública representa 16,4% desse valor. Aplicando a redução de 20% observada em outros países, a economia gerada seria de R$ 7,4 bilhões.
Rumo a Brasília
A finalidade do trabalho é mudar o cenário atual da iluminação pública brasileira e conscientizar a população dos riscos do atual sistema. A ideia é atingir estes objetivos através de duas vertentes: a legal, pela imposição de uma lei e de um conjunto de medidas administrativas que garantam a efetividade das mudanças; e a educacional, que busca sedimentar os conhecimentos sobre o tema nas futuras gerações.
Uma reunião foi marcada, em Brasília, para apresentação do projeto. Em dois capítulos e oito artigos, o projeto de lei procura, nas palavras do pesquisador, “controlar os índices de poluição luminosa em todo o território nacional, por meio da regulamentação das atividades de fabricantes de produtos de iluminação e de empresas de engenharia e autônomos, que elaboram projetos de iluminação pública.”
“Precisamos também mudar a cabeça dos novos cientistas. Não adianta você ir lá fora, fazer seu PhD, publicar não sei quantos artigos e não fazer nada pela sociedade”, dispara Picazzio. Ambos reforçam a importância do mestrado profissional em astronomia do IAG, no qual a pesquisa está inserida. Eles afirmam que este, e muitos outros trabalhos da mesma linha, não seriam viáveis sem a iniciativa.
Participarão deste encontro, em Brasília, as Comissões de Educação da Câmara, do MEC, do Meio Ambiente, e também os responsáveis da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e da Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia). Há um deputado interessado no projeto, mas sua identidade não foi revelada pelo pesquisador. A reunião estava prevista para novembro deste ano, mas foi adiada por tempo indeterminado, devido à urgência de outros projetos.
Qual número do projeto de lei?