O senso comum não tem se aprofundado no tema da poluição atmosférica nas grandes cidades, procurando entender o que exatamente é tão prejudicial à saúde nestes compostos e como isso acontece.
Ocorre que o problema está fortemente presente também dentro das residências, com índices altos de partículas finas, as mais danosas à saúde, e na maioria das vezes acima dos recomendados pela Organização Mundial da Saúde e pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), como identificou a tese de doutorado da pesquisadora Bruna Segalin, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP).
Estima-se que a população idosa passe até 80% do dia dentro de seus lares, o que faz com que sejam os mais afetados por essas partículas que se acumulam nas residências. A pesquisadora explica que seu tamanho é o que define seu grau de periculosidade: “quanto menor a partícula, mais prejudicial ela é à saúde”.
O trabalho está inserido em um amplo projeto, que busca analisar os efeitos de diversos fatores externos no equilíbrio e na cognição da população idosa, grupo alvo da pesquisa. Coube a Bruna analisar a qualidade do ar neste contexto, realizando medições de 24 horas nessas casas.
O que são essas partículas?
A justificativa para a consideração do tamanho das partículas no nível de perigo que elas representam à saúde humana é a de que as menores se depositam na área traqueobronquial e alveolar, podendo também atravessar os alvéolos e chegar à corrente sanguínea. Neste caso, a possibilidade de chegar a outros órgãos, como coração e cérebro, é bastante alarmante. “Daí o grande número de doenças cardíacas relacionadas à poluição”, afirma a pesquisadora.
Durante a análise química dos materiais particulados, foi identificado que, em média, 78% das partículas nas residências são finas, e destas, quase 50% são ultra finas. Para efeito de comparação, a Cetesb indica que 60% das partículas presentes na atmosfera são finas. Isso mostra que, em um panorama geral, as partículas finas estão mais presentes dentro das residências do que fora delas.
Além disso, foi detectada forte ocorrência do chamado Black Carbon, que, em termos simples, se traduz na parte preta da poeira que se acumula nas casas, sendo inclusive mais difícil de ser removida quando nas janelas, por exemplo. São partículas de tamanho também bastante reduzido, provenientes de processos de combustão. “Em São Paulo, a principal fonte de poluição é veicular. [O Black Carbon] poderia vir de cigarro ou comida queimada, mas segundo o que apuramos com os idosos, não é o caso”, avalia Bruna.
Dentre as partículas menores encontradas, em média 26% foi Black Carbon. E nas casas próximas a ruas e avenidas com intenso fluxo de veículos, este número foi ainda maior. A influência da proximidade a vias de tráfego intenso se mostrou determinante na quantidade e na composição das partículas, mas não foi o único fator considerado. Também foi observada a ação do vento, que tende a trazer partículas mais grossas para as residências, e da chuva, que reduz a poluição no meio externo e, consequentemente, no interior das casas.
Qualidade de vida
As medições para as pesquisas foram realizadas nas casas de 51 idosos voluntários. Como consequência do trabalho de parceria com a Faculdade de Medicina da USP, os participantes foram encontrados a partir da lista de pacientes atendidos no Hospital das Clínicas. Foram aplicados alguns critérios de seleção para garantir que outros fatores influenciassem os resultados da pesquisa. “Deveriam ser voluntários, acima de 60 anos, ter mínimo de quatro anos de escolaridade, não ter diagnóstico de depressão ou locomoção comprometida, devido aos testes de cognição e equilíbrio”, conta a pesquisadora.
A maior parte dos idosos escolhidos eram residentes da Zona Oeste. A pesquisadora explica que não foi um critério específico, ou algo proposital, e sim uma consequência dos processos de escolha. “Conseguimos mais voluntários nas áreas onde os idosos vivem mais. Então, a serem submetidos aos testes, tinham condições melhores”.
Muitas das reprovações nos testes ocorreram devido a diagnósticos de depressão. As reclamações principais eram falta de qualidade de vida, muitos problemas de saúde e necessidade de retornar ao mercado de trabalho por motivos financeiros.
Disparidade de valores
Em 43% das casas, o número de partículas estava acima do que o recomendado pela OMS, mas seguindo os padrões da Cetesb, apenas uma casa apresentava índices considerados ruins. O disparate dos padrões das duas organizações foram uma questão para o trabalho da pesquisadora. Os índices significativamente mais altos da Cetesb criam um cenário inconclusivo, de certa forma, porque permitem que alguns ambientes se enquadrem em situações boas de qualidade do ar, apesar de estarem longe dos padrões recomendados pela OMS.
Por mais influente que seja mundialmente, a OMS não tem poder para implementar seus índices como força de lei. A companhia paulista, no entanto, criou em 2013 um plano de metas de redução de seus padrões para se equiparar aos valores mundiais. O problema, segundo a pesquisadora, é que tais metas não tem datas de conclusão. “Desde 2013 ainda estamos na primeira meta. Existem mais três até os valores da OMS, e não há previsões.”
Apesar desta situação, a pesquisadora lembra que também não existem incentivos governamentais para que haja menos poluição. “Não adianta só a Cetesb diminuir os limiares e a cidade não dar nenhum suporte para que os veículos poluam menos.” A troca de carros mais antigos por outros novos é um exemplo dado por Bruna.
Cidade cada vez mais cinza
“São Paulo foi escolhida porque a maior parte de sua poluição vem de veículos”, afirma a pesquisadora. O trabalho vem com o objetivo de pressionar as autoridades a respeito da qualidade do ar na cidade, dando ênfase à qualidade de vida dos idosos dentro de suas residências. “Como os idosos ficam muito tempo em casa, foram o alvo principal. Além disso, são a população que mais cresce no mundo”, observa Bruna, que completa, direcionada aos governos: “você não pode fazer nenhum programa de melhoramento desse cenário se você nem sabe o que eles estão respirando em casa”.
“Não há o que fazer para conter [as partículas], porque são pequenas o suficiente para passar por portas e janelas. Apenas políticas públicas resolveriam, envolvendo questões de planejamento a longo prazo”.
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