Os ataques de 11 de setembro aos Estados Unidos aumentaram a atenção mundial frente ao terrorismo. Ainda que o problema não seja novo, as ações de combate ao problema se intensificaram após esses ataques, sendo um dos maiores exemplo a Doutrina Bush de “Guerra ao Terror”, implementada em 2002. Apesar disso, pouco se fala sobre como essa questão passou a fazer parte do discurso e da realidade de outros países fora da Europa e da América do Norte.
Buscando enfocar a questão, Isabella Franchini Greb, em sua dissertação de mestrado defendida em 2015, analisou três países sul-americanos: Brasil, Colômbia e Venezuela. Com o título “A ameaça terrorista na América do Sul: uma análise do discurso na Era Bush“, a pesquisadora buscou perceber como esses países entendiam o terrorismo – que é um conceito difuso – e como eles se articulavam frente ao problema: como uma ameaça de segurança a ser ou não combatida. Através disso, ela buscava constatar se os países incorporaram, no nível do discurso, o combate ao terrorismo com base na doutrina de segurança estratégica implementada por George W. Bush.
Utilizando a Análise do Discurso como método, Isabella examinou as falas dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Álvaro Uribe (Colômbia) e Hugo Chávez (Venezuela) proferidas na abertura da Assembleia-geral da Organização da Nações Unidas (ONU) entre 2002 e 2006. A pesquisadora explica que escolheu esse recorte porque, na análise do discurso, a audiência desempenha um papel fundamental. “Na ONU, os líderes estão falando para duas audiências: uma formada pelos chefes de Estado que estão presentes e outra pelo público interno dos países. Além disso, esses discursos normalmente são muito televisionados. Então, achei que seria a condição ideal para analisar como esses países estavam tratando o terrorismo, já que isso afeta a maneira como percebemos as coisas”.
A partir disso, Isabella constatou que os três presidentes incorporaram a questão aos seus discursos, ainda que de maneiras diversas. Com base nos resultados alcançados, Colômbia e Venezuela instrumentalizaram a Guerra ao Terror e o terrorismo para justificar as ações de seus respectivos governos. Logo, eles teriam macrossecuritizado o problema, processo que ocorre quando o governo identifica um objeto como uma ameaça de segurança para a sobrevivência de um determinado povo. O governo Lula, por outro lado, absorveu o terrorismo na luta de combate à fome e pela reforma do Conselho de Segurança da ONU sem contudo macrosecuritizá-lo.
Isso quer dizer que, no caso da Colômbia, a securitização ocorreu através da adesão à agenda relacionada à Guerra ao Terror. Isso foi feito, porém, de uma maneira que Uribe renegociou os conceitos propostos por Bush, priorizando o combate ao narcotráfico – não ao radicalismo islâmico, como defendido pelos Estados Unidos. Com isso, o presidente colombiano visava tanto legitimar sua política de combate ao narcotráfico, quanto ganhar apoio no âmbito internacional, buscando compartilhar a responsabilidade frente ao narcotráfico.
Já no discurso da Venezuela, Hugo Chávez, assim como Bush, parte da premissa de que o combate ao terrorismo seria uma tarefa moral, que pressupõe a luta entre bem e o mal. Contudo, o presidente venezuelano optar por atribuir a causa do terrorismo, em última instância, ao neoliberalismo e unilateralismo dos Estados Unidos. Diante disso, segundo ele, a forma de combate ideal ao terrorismo seria através da “Revolução Bolivariana”.
Por fim, o Brasil, ainda que não tenha macrossecuritizado o terrorismo, acabou incorporando o problema ao discurso de combate à fome e à pobreza, em um momento no qual se implementava o programa Fome Zero. Segundo a visão brasileira, portanto, o terrorismo nada mais seria que um reflexo da fome, da exclusão e da pobreza, cuja solução perpassaria a reforma da ONU, uma antiga demanda brasileira, e a suspensão de práticas desleais de comércio, a exemplo dos subsídios agrícolas. Ainda de acordo com Lula, só a ONU teria legitimidade para combater o terrorismo, mas que antes disso ela precisaria passar por alterações em sua estrutura.
O convencimento da audiência
A pesquisa de Isabella parte da noção de que o processo de securitização se inicia pelo ato de falar. Isso quer dizer que os atores definem através do discurso o que é uma ameaça a sua segurança, traçando, a partir disso, quais os problemas que necessitam de medidas drásticas de combate. Logo, com base nessa noção, não existiria uma ameaça natural, já que ela só se tornaria uma ameaça após assim ser enunciada.
Assim, através do método do estruturalista francês Patrick Charaudeau, a pesquisadora analisou os discursos dos três presidentes classificando-os com base nos três principais mecanismos que um orador utiliza para convencer sua audiência. A pesquisadora deixa claro, no entanto, que todos os discursos apresentam elementos dessas três modalidade. Logo, o que se buscar analisar é a estratégia predominante.
Na primeira dessas formas, o foco do discurso está no conteúdo da mensagem e na articulação dos argumentos, o que o tornaria em um discurso lógico. “A pessoa se convence porque você ouve os argumentos e enxerga o encadeamento do discurso”, explica Isabella. Ela afirma que desde o início de sua pesquisa acreditava que o discurso brasileiro, pela tradição do Itamaraty, se encaixaria nessa modalidade. Ao fim, os resultados comprovaram tal conclusão.
A segunda modalidade de convencimento foca-se na autoridade de quem fala. Um exemplo seria o discurso do médico que, quando prescreve uma receita, convence o paciente devido a sua condição profissional, não ao conteúdo da mensagem. Essa forma, portanto, depende consideravelmente do enunciador da mensagem. Segundo Isabella, nessa modalidade estaria inserido o discurso de Hugo Chávez, que se descobriu estar muito focado em sua pessoa. “Em seu discurso, ele se retrata como o representante dos povos latino-americanos. A legitimidade do discurso é baseada então na posição dele como líder popular de um país subdesenvolvido ou em desenvolvimento.”
Por fim, na terceira modalidade, o enunciador visa a emoção da plateia, ou seja, como a audiência reage. Nessa modalidade, de acordo com os resultados da pesquisa, estaria Álvaro Uribe que buscava sempre transferir a responsabilidade de sua mensagem para a comunidade internacional e o povo colombiano. Em seus discursos, por exemplo, é constante a utilização da primeira pessoa do plural, visando ativar as emoções da audiência.
De acordo com Isabella, levando-se em conta o contexto pelo qual passava cada país à época, as estratégias retóricas combinam muito bem com as políticas advogadas por cada um desses governos. “Percebe-se claramente que a escolha da estratégia retórica traduz muito bem a intenção do autor do discurso, que é como eles querem te convencer da mensagem.”
O terrorismo nos discursos atuais
Trazendo o tema da pesquisa para acontecimentos mais recentes, a pesquisadora explica que, mesmo sem macrossecuritizar o terrorismo, o país acabou aceitando-o como um problema. “O que o Brasil não aceitou foi a ideia norte-americana de um terrorismo como uma ameaça generalizada e que justifica todos os meios para combatê-lo”, afirma.
De acordo com ela, portanto, episódios como a aprovação da Lei nº 13.260, de 2016, conhecida como “Lei antiterrorismo”, e as ações tomadas por ocasião de grandes eventos no Brasil, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olímpiadas de 2016, são atitudes pensadas unicamente para se evitar qualquer incidente. Logo, não indicariam ter havido uma mudança drástica em relação a postura do Brasil frente ao terrorismo. “A postura brasileira sempre foi a de que, por ora, não existe terrorismo no país. Então, não se justifica a interferência de um outro Estado, já que o Brasil pode combater ameaças com meios próprios.” Ela salienta, contudo, que para uma conclusão mais definitiva seria necessário analisar os discursos de Dilma Rousseff.
Como um paralelo mais próximo à questão, Isabella aponta o discurso de Donald Trump na Assembleia Geral da ONU desse ano. De acordo com a pesquisadora, esse discurso diz muito sobre o senso comum americano. Justamente por isso, Trump estaria não apenas mandando uma mensagem para o mundo, mas também para os norte-americanos. “Os líderes estão sempre pesando duas audiências. Logo, de alguma forma, pode-se supor que esse discurso ressoa em uma parcela da população que o compra, já que nenhum líder vai à ONU e fala uma coisa que vai ser impopular ou totalmente absurda para o cidadão de seu país”.
A pesquisador explica que pelo fato de as transformações acontecerem primeiro na linguagem, a análise dos discursos do presidente estadunidense são essenciais. “Trump está falando de novo em Estado nação. Então, vemos um retorno a essa ideia de um nacionalismo, uma coisa que antes não era popular e que nunca se falou na ONU”. Isabella recorda ainda das falas de Trump afirmando que iria destruir um país, em referência a Coreia do Norte, ou a utilização do termo “terrorismo islâmico” ao invés de “terrorismo radical islâmico”. “Apesar de não dar prova cabal sobre nada, o discurso é sempre um bom índice do que está acontecendo na sociedade doméstica e a relação dos líderes no ambiente internacional. Ele te dá uma dupla visão”.
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