
“A democracia é por definição um projeto incompleto”, afirma Cristiane Lucena, doutora em ciência política e pós-doutora pelo IRI, em entrevista à Agência Universitária de Notícias (AUN). A professora foi mediadora do debate ocorrido no Instituto de Relações Internacionais da USP recentemente sobre o livro “Por que a democracia brasileira não morreu?”, escrito por Carlos Pereira e Marcus André Melo.
O evento, organizado por Lucena e Leandro Piquet (IRI), reuniu três gerações de pesquisadores. A antiga diretora do Instituto Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora emérita da FFLCH, que vivenciou a ditadura; Marcus Melo, professor de ciência política da UFPE; Carlos Pereira, professor titular da FGV e a própria professora Lucena. Marcus foi orientador tanto de Cristiane quanto de Carlos.
O livro defende que, mesmo com diversas crises, o próprio sistema político brasileiro protegeu e ainda protege sua democracia. Toda sua complexidade e pluralidade permitiu que nenhum setor do governo conseguisse acumular diversas funções e exercer mais poder que as outras. Na página 15 da obra, os autores dizem que “o presidencialismo multipartidário, promessa dos revolucionários de 1930, não foi desenhado para gerar eficiência, mas para incluir, mesmo que de forma dissipativa, os mais variados interesses sociais no jogo político. Essa promessa tem sido cumprida e gerado equilíbrio democrático em uma sociedade extremamente diversa e heterogênea”.
O livro analisa vários eventos marcantes dos últimos anos da democracia brasileira, tais quais o governo Bolsonaro, os ataques anti-democráticos de 8 de janeiro de 2023, o terceiro mandato do presidente Lula, entre outros. Sobre o impedimento da presidente Dilma Rousseff, a literatura analisada na obra estabelece que são necessárias (mas não suficientes) quatro condições para haver um impeachment: crise econômica; escândalos de corrupção; povo na rua; e perda de apoio no Congresso. O governo da época enfrentava fortes problemas na aprovação de projetos, pois a maioria do Congresso representava a oposição política.
Ao analisar o governo Bolsonaro, os autores afirmam que o desenho institucional brasileiro altamente consociativo, com inúmeros pontos de veto, dificulta qualquer aventura autoritária. O papel do STF foi fundamental para a contenção das ações anti-democráticas, mas também os três poderes equilibram uns aos outros. “Então nem o Poder Judiciário e nem o STF sozinhos conseguem manter uma instituição democrática”, diz Lucena. Nenhum projeto visando o enfraquecimento do STF foi aprovado pelo Legislativo, mantendo o estado democrático.
Para a professora Cristiane, a democracia brasileira foi colocada em teste nos últimos 15 anos. Ela cita os protestos de junho de 2013, o impeachment de Dilma, as eleições de 2018 e também as de 2022. “Quando a democracia sobrevive a essas crises, ela sai fortalecida”, afirma.
Lucena classifica o debate como muito proveitoso, apesar de problemas financeiros. Os organizadores procuraram financiamentos em editais públicos, mas foram negados. Só foi possível a realização por conta do apoio financeiro da Casa das Garças.
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