Sistema de certificação de responsabilidade social em empresas de varejo é tema de análise na EACH

Imagem: Reprodução

Em meio a uma maior presença na mídia de casos de precarização das relações de trabalho na produção de vestuário, principalmente com os diversos casos de trabalhadores em condições de ofício análogas à escravidão, um estudo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP), em 2016, tomou a importância da responsabilidade social dessas empresas como objeto de análise.

De autoria da pesquisadora Rita Lopes, a dissertação é intitulada Responsabilidade social na cadeia de fornecedores do varejo de vestuário de moda: estudo de múltiplos casos. Com o aumento nos esforços para conter práticas ilícitas no que se refere aos direitos trabalhistas e ao funcionamento regularizado das empresas envolvidas na cadeia produtiva, a pesquisa teve como principal objetivo identificar os impactos gerados a partir da criação do selo de certificação da ABVTEX (Associação Brasileira do Varejo Têxtil).

Tal selo foi desenvolvido em 2010, a partir da iniciativa de nove empresas varejistas que se uniram para uniformizar as auditorias feitas antes por cada uma de modo independente. “A motivação para terem se unido dentro da ABVTEX para criar esse selo de certificação de responsabilidade social é evitar que haja empresas oportunistas que busquem a obtenção de seus resultados financeiros com práticas ilícitas”, afirma Rita. Assim, quem está na ponta da cadeia produtiva pode optar pela aquisição de produtos que tenham essa certificação.

O certificado envolve a avaliação de todas as etapas após o corte do tecido, incluindo a confecção, a lavanderia e a tinturaria – ou seja, tudo o que é realizado para construir a peça após a etiquetagem da empresa. Considerando todo esse processo, segundo Rita, há inúmeros riscos ocupacionais e ambientais, evidenciando a necessidade desses esforços para regulamentação.

A ABVTEX, por sua vez, é responsável apenas pela certificação. As auditorias são feitas por outras empresas selecionadas por ela, como a SGS, a Intertec, a BioVeritas e a ABNT. Essas empresas vão até o local de análise fazer a verificação a partir de um check list padronizado, baseada na legislação trabalhista e nas regras de monitoramento da documentação. Para ser classificada como apta para o fornecimento, a empresa deve atingir 70% de conformidade. Dentre outras especificações, há a reprovação direta, que só ocorre em casos de trabalho de estrangeiros em situação irregular no Brasil, além de condições trabalhistas análogas à escravidão e mão de obra infantil.

Trata-se de um programa de certificação voluntário, ainda que se baseie em critérios presentes em lei, dentro das normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho. Segundo Rita, apenas 21 empresas participam dele. Isso explica a possibilidade de desistência do programa por parte das empresas – o que se configura em uma alta taxa, de acordo com a pesquisa.

Dentre os fatores que levam à saída do projeto, está o fim de relações entre empresas participantes e fornecedores, tornando inviável renovar a certificação, que possui validade de dois anos. Outro motivo comum, de acordo com Rita, é o custo que essas empresas têm, não apenas na auditoria, mas em sua adequação aos padrões propostos e em encargos trabalhistas com os seus funcionários. “Então, por vezes, muitas empresas não trabalhavam de forma regulamentada. Assim, ela obtinha seu lucro de uma maneira espúria, e quando começou a trabalhar dentro dos padrões exigidos pelo mercado, não aguentou a carga desses custos e acabou desistindo do programa”, diz. Assim, a saída da empresa pode ocorrer por vários motivos, sendo a volta à informalidade um deles.

Durante a pesquisa, Rita fez entrevistas em profundidade com o diretor corporativo e com a gerente da ABVTEX, além de outras realizadas com três varejistas e uma survey com os fornecedores. A partir disso, o estudo foi capaz de identificar que o impacto da implantação do selo percebido pelos fornecedores e varejistas foi positivo, ainda que haja a demanda por melhorias no programa, principalmente no que se refere à sua transparência e credibilidade.

Nesse sentido, Rita fez algumas recomendações em sua pesquisa. No que diz respeito à transparência, seria necessária uma maior abertura das informações ao público geral, além da disponibilização da lista de subcontratados e fornecedores certificados aos próprios fornecedores. “Isso também facilitaria a gestão do poder público”, diz. Ela conta que o programa já tomou maiores proporções, atraindo novas partes interessadas em sua atuação. “Amplia-se quando você coloca outros grupos de interesse, como ONGs, o poder público e a sociedade. Eles querem ficar sabendo.”

Por outro lado, Rita vê a criação do selo como responsável por propiciar uma reestruturação dos negócios. Segundo a pesquisadora, houve uma mudança nas empresas na tentativa de melhorar suas condições de infraestrutura e seus processos de gestão. “Pessoalmente, acredito que o programa tem muito a melhorar, mas também que ele já contribuiu para tirar muitas pessoas da zona da informalidade, da precariedade; muitas pessoas que poderiam vir a sofrer uma doença ocupacional, por exemplo.”

 

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