Do campo à mesa, a ciência é cada vez mais o alimento do agronegócio

Pesquisa, desenvolvimento de tecnologias e organização são pilares para uma produção moderna de alimentos: produtiva, aliando qualidade e sustentabilidade

AUN/Pixabay

Quando se pensa no ambiente rural, o senso comum automaticamente atribui às pessoas que nele vivem ou trabalham certa simplicidade de vida, que muitas vezes se confunde com o estereótipo da ingenuidade. Já quando se discute ciência, os locais pensados para produzi-la e utilizá-la são, justamente, as grandes cidades e aquilo que as envolve: construções, meios de transporte, aparelhos de telecomunicações.

Surpreendentemente, talvez o alimento que chegue às nossas mesas envolva tanto ou mais pesquisa e desenvolvimento de tecnologias do que os aparelhos eletrônicos que possuímos. Em todas as etapas de uma produção agropecuária que exige cada vez melhores resultados, sem expansão de terras ou adoção de técnicas que prejudiquem o meio ambiente, estão envolvidos conhecimentos dos mais variados tipos, sobre os quais boa parte da população sequer faz ideia.

A necessidade de crescer sem expandir

Atualmente, a atividade agropecuária brasileira assume sua importância em dois cenários: primeiro, na economia do país, sendo responsável por 25% do PIB e 52% das exportações, além de manter cerca de 37% dos empregos; segundo, pela participação brasileira na produção de alimentos em escala global.

O Brasil vive, nos últimos anos, uma crise político-estrutural, em que o campo sustentou os índices econômicos. Por outro lado, com a tendência de crescimento da população do planeta, principalmente nas áreas mais precárias, exige-se do agronegócio uma produtividade cada vez maior, a fim de suprir a demanda mundial por alimentos.

“Segundo as últimas projeções de crescimento populacional, seria preciso aumentar a produção atual de alimentos de 70% a 100% até 2050. Contudo, temos que manter a mesma quantidade de terras utilizadas, além de nos preocuparmos com diversas questões ambientais”, afirma o diretor-geral da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Meio Ambiente, Marcelo Morandi.

De fato, no passado, o aumento da produção de alimentos era resolvido de modo quantitativo: bastava expandir os pastos e plantações para regiões não utilizadas. Hoje, contudo, em virtude das preocupações ecológicas e climáticas, o salto deve ser qualitativo, ou seja, empregando técnicas que extraiam muito mais de uma mesma área.

Conforme dados da Embrapa, dos 850 milhões de hectares do território brasileiro, 470 equivalem a áreas que devem ser preservadas e 30 remetem a usos não agrários, como as cidades. Os pastos para pecuária e agricultura ocupam, respectivamente, 190 e 60 milhões de hectares. A área para expansão, portanto, seria de, no máximo, mais 100 milhões de hectares.

Além da limitação territorial, existem outros fatores que estimulam o desenvolvimento de novas técnicas, rejeitando saídas simples e prejudiciais. “O esgotamento dos recursos naturais, as mudanças climáticas, as questões sociais e a segurança do alimento são preocupações primordiais do setor agropecuário. Por tudo isso é necessário, cada vez mais, o investimento em pesquisa e ciência, firmando parcerias com instituições públicas e privadas”, assinala Morandi.

Segundo o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, outra consequência da evolução tecnológica do campo é a economia do consumidor. “À medida que se aumenta a produtividade em um mesmo hectare, cria-se uma tendência à diminuição dos preços, pelo aumento da oferta de alimentos”, afirma.

Para Rodrigues, o emprego de novas tecnologias é algo que flui naturalmente com o mercado e a busca do produtor em aumentar sua renda. “O Plano Collor, nos anos 90, foi um desastre para o agronegócio. De um dia para o outro, os produtores se viram endividados e foram obrigados a aumentar sua produtividade para não falir. De lá para cá, a produção de grãos, por exemplo, cresceu cinco vezes mais do que a área utilizada, enquanto o preço ao consumidor caiu pela metade”, conta.

No âmbito nacional, o constante investimento em tecnologia dá ao Brasil a competitividade no mercado externo, gerando receitas essenciais. “Éramos, há algumas décadas, importador de alimentos. Hoje, somos o maior exportador do planeta”.

Melhoramentos de espécies

O passo inicial para aumentar a produtividade no campo é trabalhar com material de qualidade. Seja no setor de plantio, onde o emprego das melhores sementes é necessário, seja na criação de animais, cujo alimento e genética devem ser favoráveis à produção, a pesquisa biológica está sempre presente.

No Instituto Agronômico (IAC) mantido pelo estado de São Paulo, referência no desenvolvimento de sementes, estufas e plantações se misturam com laboratórios numa grande fazenda no meio da cidade de Campinas (SP). Lá, as propriedades dos mais diversos grãos são estudadas, avaliadas e testadas, visando a proporcionar o melhor para o plantio.

Detalhe de vagem plantada no IAC, para estudo e desenvolvimento de sementes. AUN/João Victor Escovar

“Fazemos estudos genéticos com as espécies que trabalhamos, sem envolver transgenia”, explica o pesquisador do IAC, Alisson Chiorato. “O objetivo é o de fornecer ao agricultor maior controle sobre suas plantações, além de melhorar a qualidade do alimento e a satisfação do consumidor.”

O Instituto foi o responsável, há algumas décadas, pela implementação do feijão que hoje é o mais consumido no Brasil, o carioca. Além de mais produtivo e barato às alternativas da época, ele possuía maior valor nutricional. Atualmente, as pesquisas envolvem a mais variada gama de grãos, incluindo arroz, milho, soja, café, trigo, aveia e cevada.

O aspecto mercadológico também é importante para o desenvolvimento de novos tipos de alimento. “Em relação ao trigo, por exemplo, dependendo da qualidade utilizada, o pão pode ficar crocante ou borrachudo. Embora o tipo de grão não influencie na produtividade ou no valor nutricional, devemos atender às expectativas do consumidor que, em geral, prefere o pão crocante”, conta Chiorato.

Combate às pragas

A redução de danos e perdas é outra frente da cadeia que auxilia no aumento da produtividade agrícola. Anualmente, toneladas de alimentos são perdidas devido à infestação de pragas e doenças. Nesse sentido, o problema é um dos mais abordados no desenvolvimento da ciência agropecuária.

No campo mais laboratorial da pesquisa de pragas, destaca-se o trabalho de detecção e criação de formas de combate. Em Jaguariúna (SP), por exemplo, a Embrapa possui um conjunto de antecâmaras que possibilita estudar espécies malfeitoras e testar meios eficazes de extermínio. “Trabalhamos com pragas que envolvam culturas importantes, cuja devastação pode causar enormes prejuízos para a economia e a segurança alimentar”, afirma a pesquisadora local, Jeanne Prado.

Pragas são motivo de boa parte das perdas do agronegócio. AUN/Pixabay

Outra frente de combate é no âmbito da prevenção contra pragas que eventualmente cheguem ao Brasil. “Importamos espécies de outros países que possam causar danos à agricultura brasileira. Assim, caso um dia elas venham a infectar nossas plantações, já existe um plano de ação emergencial”, explica Jeanne.

Entre os aspectos estudados estão possíveis fluxos migratórios, adaptação às condições brasileiras, presença de hospedeiros e ausência de combatentes naturais. É feito também um mapeamento dos territórios e alimentos mais favoráveis a cada praga. Das 600 que identificou até o momento, a Embrapa prioriza as 20 mais problemáticas.

Setores privados também se preocupam com a questão. Na Usina Iracema, em Iracemápolis (SP), que processa cana-de-açúcar, existe um controle das áreas internas de plantio que gera um mapa de infestação. “Unidades de cana são escolhidas aleatoriamente em cada área, e os pontos onde são detectados maiores índices de infecção são objeto do nosso planejamento”, explica o técnico Adriano Alvarinho.

A partir daí, são investidas as mais diversas técnicas de combate, como controles biológicos, que pressupõem a inserção de predadores naturais das pragas nas plantações, por exemplo.

Os defensivos agrícolas, por sua vez, vêm sendo produzidos de modo a gerar o menor dano possível aos alimentos e ao consumidor. Embora seu uso ainda provoque polêmicas na sociedade, é quase um consenso que eles são necessários para manter a atual oferta de alimentos.

Em Paulínia (SP), por exemplo, a Bayer possui uma fazenda experimental na qual testa os diversos insumos produzidos. O local é curioso por ser um cultivo de alimentos em que nada é consumido, pois tudo é enviado para testes rigorosos, que analisam a viabilidade ou não dos produtos químicos para emprego na agricultura.

Questionados sobre os efeitos dos defensivos na saúde humana, os pesquisadores respondem que “as quantidades recomendadas são muito menores do que o limite seguro e, portanto, possíveis efeitos negativos dos defensivos são ínfimos se comparados aos seus benefícios”. Reconhecem, entretanto, que “sempre existem produtores que não seguem as regras e limites, prejudicando a população e causando um estigma sobre o próprio agronegócio”.

Equipamentos e logística

Grandes estrelas das feiras de exposição agrícolas, as máquinas e equipamentos também fazem parte do projeto que consiste em aumentar, constantemente, a produtividade no campo. Tratores, plantadeiras, colheitadeiras, pulverizadores e sistemas inteligentes possuem características que variam de acordo com as circunstâncias de aplicação, como cultura, solo e tamanho da propriedade.

A mecanização do campo regula a quantidade produzida e o tempo ideal de cada etapa da produção. Esse processo auxilia na distribuição das mercadorias, evitando que estraguem, e proporciona um melhor aproveitamento da terra e de recursos como água, força de trabalho e insumos, favorecendo o custo-benefício do produtor.

Por fim, de nada adianta todo o investimento em aparatos se os processos logísticos que envolvem a venda e a distribuição não forem meticulosamente eficientes. Exemplo disso é a cooperativa Veiling, de Holambra, que negocia milhões de flores por dia, através de leilões ou vendas diretas.

“Nosso modelo é pautado pela organização, seriedade e sustentabilidade”, conta o presidente da cooperativa, o holandês André Van Krussen. “Para ter um negócio de sucesso, é preciso oferecer ao cliente o que há de melhor em qualidade e distribuição de flores”.

Como estragam facilmente, as flores são mantidas em câmaras frias e distribuídas no menor tempo possível. “Cada lote vendido é identificado com números, que remetem aos boxes que nossos clientes já possuem nas instalações. Entregamos os pedidos em no máximo uma hora, e daí eles partem para os mais diversos estados brasileiros”, explica.

Estufa para o cultivo de flores, na região de Holambra. AUN/João Victor Escovar

A seriedade, que está presente em todas as etapas de negociação, não abrindo margem para produtores que extrapolem preços ou clientes inadimplentes, é um dos segredos do sucesso da cooperativa. Com esse modelo rígido e eficaz, vem crescendo cerca de 12% ao ano e espera movimentar, em 2017, o montante de R$ 700 milhões.

O agronegócio brasileiro e suas consequências, como o sucesso da economia nacional e a segurança alimentar interna e externa, dependem, desse modo, do constante investimento em ciência, tecnologia e na capacidade de organização. Nas palavras de Morandi, o grande desafio deste século para o campo é “estabelecer uma sinergia entre o crescimento econômico, as necessidades da população e a responsabilidade ambiental”.

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