Por Carolina Marins – carolinamarinsd@gmail.com
A eleição do candidato republicano Donald Trump à presidência dos Estados Unidos causou surpresa no mundo todo, inclusive para os sensos de pesquisa que apontavam a candidata do partido democrata, Hillary Clinton, como favorita nas intenções de voto. O que o Brasil pode esperar dessa mudança na política americana?
Trump na Casa Branca surpreendeu não apenas por causa das pesquisas de opinião, mas principalmente por ser um candidato fora do mainstream político. O professor do departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Jean Tible, explica que o mundo como um todo está vendo crescer um rechaço às figuras mais tradicionais da política. Em vários países, posições extremas, como as apresentadas pelo novo presidente, têm ganhado espaço. Por isso, quando Trump se lançou com um não-político, conseguiu conquistar o eleitorado.
Ainda assim, a vitória do republicano é bastante peculiar. Apesar de não ser do mainstream político, ele é do meio econômico. Empresário que cresceu com a fortuna do pai e se consagrou no show business, suas posições e promessas políticas são atípicas, mesmo dentro do partido conservador americano. Historicamente, o Partido Republicano tem uma posição pró livre-mercado enquanto Donald Trump é totalmente protecionista. Posição esta bastante incomum em empresários.
Tible explica que ainda é muito cedo para prever que ações Trump irá de fato cumprir. Desde quando ele foi anunciado como o vencedor das eleições, seu discurso tem se alterado um pouco. Se antes o candidato falava em retirar os Estados Unidos de acordos comerciais e construir um muro no México, agora ele tem sido mais ameno para romper tratados e já fala que o muro pode virar uma cerca, segundo reportagem da BBC.
Contudo, se ele continuar com suas promessas anti-globalização e pró protecionismo, o Brasil pode vir a ser afetado. “Ao meu ver, o governo brasileiro gostaria de assinar acordos com o governo americano no sentido de ampliar o livre comércio. O Serra, o atual chanceler [entrevista concedida antes do pedido de demissão do ministro], parece que queria se aproximar dos EUA, mas, nesse sentido, o Trump não seria bom” comenta o professor.
Em geral, o Brasil e o Partido Republicano americano têm histórico de boas relações, já que o partido tende ao livre-mercado, diferente dos democratas que sempre foram mais protecionistas. Porém, dessa vez, a candidata Hillary Clinton poderia ser mais interessante para o Brasil estabelecer aproximações.
Brasileiros que estão nos EUA
Outra postura bastante peculiar do candidato é a política anti-imigração que ele defende. Por ser um empresário, políticas que não impeçam com tanta força a entrada de imigrantes seria benéfica ao setor empresarial, pois significa mais mão de obra. Porém, o republicano foi bastante enfático em sua postura contra latinos e muçulmanos.
Entretanto, Tible comenta que mais preocupante que o discurso anti-imigração de Trump (afinal, não sabemos se ele de fato irá cumprir) é o sentimento xenofóbico que se espalhou pelos Estados Unidos durante e, com mais intensidade, após as eleições. “Tem vários relatos, por exemplo, de que estão pichando suásticas em várias cidades. Já vinha isso antes de crescentes ataques racistas, então, de uma forma geral, o ambiente vai estar ruim para os estrangeiros”.
O professor lembra que, apesar dessa postura de Trump e dos democratas terem se apresentado como mais favoráveis aos estrangeiros, o governo Obama é considerado o que mais deportou ilegais na história do país.
Isabel Dias mora em Boston há 21 anos, ela e o marido possuem a cidadania americana, mas a vitória de Trump não deixou de preocupá-los. “Estamos todos preocupados, não só os imigrantes, como também os americanos democratas e os negros. Estamos ainda em estado de choque, parece mais uma brincadeira sem graça. Logo depois da eleição os americanos racistas como ele já começaram a ameaçar os negros e também os imigrantes”, conta.
Já Lucas Tadini, que mora no país há dois anos, não acredita que as promessas do novo presidente afetarão os imigrantes legais. “O Trump propõe reforçar a fronteira para evitar ao máximo imigrações ilegais. Não tenho ideia de como ele vai fazer isso, na verdade acho que não vai. Dito isso, o discurso do Trump sobre imigrantes não me afeta em absolutamente nada, assim como não afeta os outros imigrantes regularizados”. Porém ele conta que conhecidos ilegais têm ficado mais assustados após as eleições. “Todos os imigrantes ilegais tem o medo de serem deportados constantemente, então com a vitória de uma pessoa que promete combater isso acho que o medo triplica”.
A concessão de vistos é outro tema que Trump constantemente muda em seu discurso. A estudante Ana Paula Cunha, que está em intercâmbio em Connecticut há seis meses, conta que uma das promessas do então candidato era rever o visto tipo J1, que permite trabalhar e estudar no país. É um visto bastante comum entre meninas que vão trabalhar como Au Pair (com o direito de morar um ano no país cuidando de crianças). “Se esse tipo de visto existe, é porque existe demanda para isso. Então acho que ele não vai conseguir alterar muita coisa, até porque os Estados Unidos dependem de mão de obra barata, que é a mão de obra do imigrante”, argumenta.
Extrema direita no Brasil
A extrema direita tem crescido em muitos pontos do mundo. Talvez o maior exemplo seja o Brexit na Inglaterra, que voltou a favor da saída do Reino Unido da União Europeia. A grande preocupação é se a eleição de Donald Trump pode acentuar esse crescimento da extrema direita, inclusive no Brasil.
Após o resultado das eleições americanas, o deputado federal brasileiro Jair Bolsonaro parabenizou o republicano em seu twitter e escreveu: “em 2018 será o Brasil no mesmo caminho”, se referindo a sua candidatura para presidência. Porém, para Jean Tible, há uma diferença fundamental entre Donald Trump e Jair Bolsonaro: o último raramente fala de economia. “Ele faz um discurso que é muito mais ideológico que pragmático. E o Trump, na verdade, mistura mais esses elementos. Acho que isso por enquanto vai limitar um pouco a ascensão dele”.
Embora os dois tenham em comum o ponto de não serem do mainstream político e possuírem um forte discurso de ódio em suas promessas, para o professor, o deputado brasileiro representa muito mais uma cruzada moral contra esquerda do que um possível futuro presidente de fato.
Entretanto, o Tible lembra que não é preciso ir tão longe para encontrar figuras semelhantes a Trump na política brasileira. A eleição do candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo, João Dória Jr, também se aproxima da forma como o republicano foi eleito. Dória também foi apresentador de programa, é empresário e baseou sua campanha toda no discurso de não-político. A popularidade do candidato Celso Russomano também é um exemplo próximo.
Por isso, não seria sensato ignorar a figura crescente que Bolsonaro tem no Brasil. Afinal, nos Estados Unidos, a vitória do apresentador de programas também parecia bastante improvável. Segundo, o professor, se esse sentimento de rechaço aos personagens tradicionais da política continuar, Bolsonaro tende a continuar crescendo. “Acho que é um fenômeno que tende a crescer, mas eu diria que por enquanto tem entraves”.
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