Pesquisadores da USP apontam a relação entre puberdade precoce e hereditariedade

Estudos realizados pela Faculdade de Medicina da USP indicam a influência da epigenética e possíveis associações com alterações neurocognitivas no início precoce da puberdade

Análises foram feitas graças a parceria com Universidade nos Estados Unidos. Créditos: Freepik

A puberdade é um processo biológico pelo qual todos os seres humanos passam. O conhecimento atual dentro da medicina aponta que este processo é determinado pelo aumento da secreção de GnRH (Hormônio Liberador de Gonadotrofinas), que estimula o sistema nervoso central e a produção dos hormônios sexuais, mas que é desencadeado por fatores distintos e ainda não completamente compreendidos. Após uma série de estudos, fatores genéticos e epigenéticos têm sido indicados, por diferentes linhas de evidência, como elementos essenciais para o início da puberdade. 

Pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP, que comandaram diversas investigações ao longo dos anos, se juntaram para a elaboração da revisão publicada no Journal of the Endocrine Society. O texto revela que, entre a identificação de causas genéticas da Puberdade Precoce Central (PPC), mutações em três genes associados — MKRN3, DLK1 e MECP2 — levaram à identificação de causas monogênicas para a antecipação do começo da puberdade.

O estudo foi feito com base no acompanhamento de pacientes com distúrbios raros da puberdade no Hospital das Clínicas da FMUSP, através do grupo de pesquisa liderado pela professora Ana Cláudia Latronico. Os estudos tiveram início em 2012 e continuam até os dias atuais, por meio de inovações nos diagnósticos e novas associações entre fatores genéticos e outros distúrbios, a exemplo de alterações neurocognitivas. 

Descobertas

Os estudos iniciais revelaram a importância do MKRN3, gene que realiza um fenômeno epigenético chamado imprinting, em que a expressão de genes é regulada por apenas um dos cromossomos parentais. Nas pesquisas conduzidas com 15 famílias dentro do projeto, os resultados chamaram atenção pois indicavam que as crianças investigadas só desenvolveram puberdade precoce caso ela tivesse recebido a mutação por parte de pai. Esses resultados deram início a outras investigações por causas epigenéticas no campo da Puberdade Precoce Central.

Estudos seguintes desenvolveram pesquisas com genes já conhecidos em outras áreas do conhecimento, o DLK1 e MECP2, o que trouxe uma visão mais ampla sobre as associações entre fatores genéticos e outros distúrbios. O DLK1 desempenha papel importante na regulação e manutenção de células tronco cancerígenas, além da participação na área de metabolismo. A identificação de casos de crianças com PPC e mutações neste gene permitiram o estabelecimento de uma relação entre a puberdade e uma maior taxa de distúrbios metabólicos na posterior vida adulta da criança.

O MECP2 já era um gene bastante estudado devido à sua importância no sistema nervoso central e para a maturação dos neurônios. Mutações graves e outras alterações de neurodesenvolvimento já eram descritas em associação à ele, incluindo a Síndrome de Rett, que foi apontada em novas pesquisas da PPC.  Essa síndrome acontece majoritariamente em meninas, da mesma forma que a puberdade precoce e, quando associadas ao MECP2, podem apresentar distúrbios mais graves, como perda da fala e capacidade motora. 

Os estudos na área das possíveis associações da PPC com alterações neurocognitivas ainda são recentes e inconclusivos, mas a sobreposição entre fatores reprodutivos e neurocognitivos sugere que a investigação de pacientes com puberdade precoce inexplicada pode fornecer novos insights sobre doenças neurológicas e do neurodesenvolvimento. A pesquisadora Ana Pinheiro Machado Canton, médica endocrinologista associada à pesquisa, explica que a nova investigação “é uma porta que está se abrindo (…) mas o ponto básico que colocamos ali foi que, assim como os três genes mais frequentes, que foram associados nos últimos anos como causais da puberdade precoce, de alguma forma essas investigações têm a ver com regulação epigenética”.

Por outro lado, as descobertas genéticas e epigenéticas ligadas à Puberdade Precoce Central podem contribuir para potenciais futuros tratamentos no campo da reprodução humana. Atualmente, as crianças são tratadas com medicamentos que bloqueiam a produção de hormônios sexuais, como os análogos do GnRH. No entanto, a especificação das causas de início da puberdade poderia oferecer tratamentos mais direcionados às pessoas. “Cada paciente é de um jeito, então, quando conseguimos ter uma medicina de precisão pro paciente, uma medicina personalizada, aumenta a chance de dar uma melhor vigilância de saúde”.

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