Estudo aponta precariedade que guias de atletas cegos enfrentam

Pesquisa da FEA-USP revela que cuidadores enfrentam sobrecarga e falta de estrutura em eventos esportivos como corridas de rua

Os atletas-guia auxiliam os atletas com deficiência visual durante as competições e seguem regras que variam conforme a modalidade e a classe competitiva (Imagem: Freepik)

Uma tese de doutorado defendida na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP) apresenta um novo olhar sobre serviços oferecidos a pessoas em situação de vulnerabilidade, em especial àquelas com deficiência visual. Desenvolvida por Wilderson Furtado, a pesquisa volta sua atenção à percepção dos cuidadores quanto ao seu bem-estar em ambientes de trabalho com perfil terapêutico. 

O caso destaca a jornada desses colaboradores em eventos de corridas de rua, com foco nos guias que acompanham atletas cegos ou de baixa visão. Os servicescapes terapêuticos, como são chamados, buscam atender as necessidades individuais do consumidor por meio de Mediadores Transformativos de Serviços (TSMs, em inglês). No entanto, o estudo mostra que os TSMs também são afetados pelas falhas estruturais desses espaços. 

Trata-se de uma ‘vulnerabilidade secundária’, em que, além da responsabilidade física e emocional para com os atletas guiados, os TSMs lidam com estruturas precárias, mal preparadas ou pouco sensíveis à questão da acessibilidade. A tese detalha que eles enfrentam falta de banheiros acessíveis, sinalização precária, ausência de suporte psicológico e desvalorização simbólica, por exemplo. 

O impasse é que corredores-guias não se enxergam como consumidores ou como seres que também precisam de cuidado, reconhecimento e apoio. Eles colocam o bem-estar do atleta primeiro, em detrimento de seu conforto e segurança. Furtado acredita que faltam políticas e práticas que reconheçam a saúde mental desses cuidadores como parte da experiência de consumo em serviços inclusivos.

Para correr, os guias utilizam, presa à mão, uma corda que se conecta à mão do atleta deficiente visual (Imagem: Pierre-Yves Beaudouin/ Wikimedia Commons)

Com o boom das corridas de rua no Brasil — dados da Associação Brasileira de Organizadores de Corridas de Rua e Esportes Outdoor (Abraceo) indicam que o número de torneios cresceu 29% no último ano —, a tese conclui que a falta de estrutura compromete a inclusão celebrada por eventos esportivos. Sem um preparo técnico que garanta acessibilidade, a sobrecarga dos TSMs é inevitável. 

“Se espaços não contemplativos limitam e vulnerabilizam pessoas atípicas, essas pessoas precisarão preencher as lacunas que esses lugares não assumem”, explica Furtado. Para enfrentar esse desafio, o estudo sugere medidas práticas, como o reconhecimento formal do trabalho dos guias, capacitação específica, infraestrutura acessível e canais de escuta para cuidadores. Ele ainda mobiliza o conceito de auto-linguagem, em que colaboradores devem se posicionar como agentes centrais na experiência dos atletas com deficiência. 

Tais discursos tendem a legitimar suas atuações como profissionais ao passo que permitem a manutenção de engajamento, bem-estar e senso de propósito. Assim, o trabalho formal deles seria reconhecido como parte da estrutura dos eventos. Apesar disso, o pesquisador esclarece que essas condutas devem ser associadas a mudanças estruturais em políticas públicas.

Para ele, que se voluntariou como atleta-guia para melhor entender a posição de cuidadores, é preciso começar com o básico. Além de pensar na saúde mental dos envolvidos, “prover o mínimo necessário para o bem-estar de pessoas em vulnerabilidade nos espaços de serviços já seria um bom começo”, afirma.

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