
Uma pesquisa recente traçou novos parâmetros preliminares acerca da saúde, fisiologia e morfologia do boto-do-araguaia (Inia araguaiaensis) – espécie endêmica da bacia dos rios Tocantins-Araguaia – que, devido sua recém descoberta em 2014 e difícil manipulação, possuía, até então, referências biológicas escassas.
O estudo foi elaborado pela pós-doutoranda do Instituto de Biociências, Daniella Melo, a partir da avaliação e comparação de botos da região de Luiz Alves no estado de Goiás e da área preservada do Parque Estadual do Cantão no estado de Tocantins.

Desafios da investigação do Boto-do-Araguaia
“A gente tinha uma ideia, mas a gente não tinha um padrão”, diz Daniela ao explicar que os golfinhos foram avaliados como em um exame clínico: “Vemos a condição corporal deles, tem a camada de gordura e muscular, não tem os ossos aparentes. Então a gente sabia que eles estavam bem, visualmente. Aí fazemos uma investigação mais aprofundada: coletando sangue, fazendo swab para uma investigação de outros parâmetros.”
[Imagem: Acervo Pessoal/Daniela Mello]
Para Daniela, houveram desafios durante o desenvolvimento da pesquisa como a logística dos materiais coletados (transporte das ferramentas e manipulação das amostras) e de segurança e captação do boto-do-araguaia (espécie discreta e silenciosa).
[Imagem: Acervo Pessoal/Daniela Mello]
Por outro lado, houveram diferenças nos exames hematológicos, especificamente nos leucócitos e hemoglobina em relação ao boto da Amazônia. Entretanto, essas diferenças estão relacionadas com o armazenamento de oxigênio durante os mergulhos, já que o Rio Amazonas é mais profundo do que o Araguaia. Os leucócitos eram elevados em golfinhos imaturos, valores esperados devido à fase de desenvolvimento.
Também foi observado diferentes valores nas substâncias bioquímicas relacionadas com o funcionamento renal: ureia, creatinina e bilirrubina. Esses valores podem indicar diferenças na alimentação, esforço muscular – tanto pelo tamanho e profundidade do rio quanto pela captação – ou alteração renal e doença subclínica, o que demandaria mais estudos para afirmação, conta Daniela. Ela também relata que os hormônios reprodutivos seguiram a tendência geral de mamíferos. Por outro lado, essas referências hormonais são um passo para a compreensão acerca da biologia e fisiologia reprodutiva da espécie, que ainda não tem registro.
Conservação e reafirmação da espécie
Daniela Mello destaca que, ainda que os animais tenham condições boas de saúde, não podemos regredir: “Temos que saber que esses valores são preliminares e agora temos uma série de informações sobre eles e é claro que isso vai respaldar na legislação ambiental futuramente”. Ela também pontua sobre a importância de criar informações mais robustas sobre a espécie para monitorar a saúde e proteger para não correr o risco da espécie extinguir.
“Eles são topo de cadeia, então eles podem refletir em alterações ambientais”
-Daniella Mello, pós-doutoranda e pesquisadora do IB
A comunidade científica e o governo brasileiro trata o inearaguaiense como uma espécie diferente, ainda que isso não seja um consenso, explica a pesquisadora. Existem estudos de análises genéticas, porém a Sociedade Americana de Mamíferos Marinhos não inclui o boto-do-araguaia como uma espécie diferente e cita a necessidade de mais dados morfológicos e genéticos para confirmação.
Vulnerabilidade da espécie
Os estudos sobre o boto-do-araguaia deram início após Daniela se aprofundar acerca das ameaças sobre a espécie, que é classificada desde 2019 como “Vulnerável” pela Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção do Ministério do Meio Ambiente.
De acordo com a pesquisadora, os golfinhos de água doce estão presentes em habitats aquáticos mais restritos em comparação aos dos golfinhos oceânicos, o que causa maiores danos aos botos: “Tem rios que têm barragens, hidrelétricas, então eles ficam confinados em um espaço muito menor. Se passa um barco muito grande, eles não têm para onde ir. A interação com pescadores também é muito mais intensa, porque o pescador pode lançar uma rede de fora a fora da margem do rio e os golfinhos acabam ficando presos”.
A sazonalidade do Rio Tocantins e Rio Araguaia também é um potencial limitante do ambiente dos botos-do-araguaia. Na época de seca, a agricultura regional utiliza bombas para captação de água que podem agravar ainda mais o baixo volume do rio e ocasionar no confinamento desses animais em poços de água ou cursos pequenos, menciona Daniela.
Entre os fatores de degradação resultantes da atividade humana no Rio Araguaia, a pesca esportiva chamou atenção para a região de Luiz Alves. O convívio dos pescadores com os botos cria um ambiente competitivo por parte dos humanos, já que os golfinhos se alimentam dos peixes que são visados para a pesca. A pesquisadora relata que “já tiveram publicações no Instagram do pessoal tirando o boto da água, por exemplo. É como se eles estivessem atrapalhando esse turismo de pesca esportiva.”
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