Pesquisadora planeja criar na USP o primeiro centro de biomimética do Brasil

Projeto é o primeiro passo para a criação de um centro que guie as diversas iniciativas da área já existentes no País

Foto do livro "Biomimicry" da pesquisadora Janine Benyus no chão em meio a flores e terra.
A pesquisadora Janine Beynus foi uma das primeiras a tratar o biomimetismo como uma metodologia e ciência a ser desenvolvida. Foto: Reprodução/Visualhunt

Iniciado em março deste ano, o projeto da professora Denise Selivon, vice-chefe do departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências (IB) da USP, tem o objetivo de criar o primeiro Centro de Biomimética da América do Sul. Selecionado através do Programa Ano Sabático do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, em que docentes são liberados de suas atividades tradicionais para focarem em um único projeto de pesquisa, a criação do Centro é o pontapé inicial para consolidar uma atividade que já está em curso há vários anos no País.

O Biomimetismo (ou Biomimética, a depender do contexto) é uma área da Biologia Evolutiva que busca gerar soluções para problemas da sociedade tendo como base a observação da natureza. Consolidado a partir dos anos 1950 como um campo a ser pesquisado, o Biomimetismo nada mais é do que uma ação inata do ser humano. De acordo com Denise, a espécie humana faz isso há muito tempo. “Imagine os primeiros homo sapiens, ou até antes. Você olha uma coisa na natureza, como o formato de um dente e a partir disso constrói uma ferramenta. É algo intuitivo da humanidade. Você olha, vê e copia.”

Existe uma certa confusão entre os termos “Biomimética” e “Biomimetismo”. A primeira aparição de uma palavra que nomeasse essa área da biologia evolutiva foi por volta dos anos 60, com traduções de “biomimicry” — nome cunhado pela primeira vez pela pesquisadora Janine Benyus, precursora dos estudos na área — para “biônica”. Com o passar do tempo, “biomimicry” começou a ser traduzido para “biomimética”. Porém, o termo ainda não compreendia toda a proposta que Benyus apresentava, de uma “Revolução Biomimética”, em que não só retirassem da natureza a inspiração para novas tecnologias, como também produzissem esse tipo de conhecimento visando a preservação e sustentabilidade em todos os sentidos. É com essa intenção que o último — e mais recente — termo é utilizado, “Biomimetismo”.  

Foto de ferramentas da Idade da Pedra dispostas em uma mesa, com identificações numéricas ao lado delas.
As ferramentas utilizadas por indivíduos da Idade da Pedra são exemplos de biomimetismo. Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

A ideia para a criação de um Centro de Biomimetismo surgiu a partir do pedido de um aluno de iniciação científica. Ao procurar projetos para enriquecer as pesquisas, a pesquisadora se deparou com um cenário complexo: a América do Sul  é  o único espaço “restante” no mundo que não inaugurou um centro para pesquisas relacionadas ao assunto. De acordo com ela, só nos Estados Unidos já existem cerca de 14 centros similares. O motivo para a inexistência de um espaço assim no Brasil, porém, não vem por falta de investimento ou espaço útil. “Não fizemos porque não fizemos, porque não requer nada que não tenhamos. Quando me dei conta disso, achei que estava na hora de fazer”, diz a pesquisadora.

Os produtos de pesquisas biomiméticas são diversos e já estão há algumas décadas em uso. Tecnologias como supercolas cirúrgicas, equipamentos hospitalares baseados em estruturas perfurantes de insetos ou melhorias das fases eólicas de rendimento energético baseado nas nadadeiras de baleias jubartes são alguns exemplos de utilização atual das pesquisas dessa área da biologia evolutiva.

Foto aproximada de um tecido de velcro descolando um do outro
As características do velcro tiveram inspiração no método de se prender às roupas da semente do carrapicho. Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Um dos produtos biomiméticos mais conhecidos atualmente é o velcro. Desenvolvido por um engenheiro suíço a partir da semente do carrapicho que gruda na roupa, o método de observar a natureza e tirar dela algum tipo de ferramenta ou tecnologia é o princípio fundamental do biomimetismo. 

O funcionamento de um centro voltado para o biomimetismo envolve uma série de profissionais das mais diversas áreas. No Brasil, existem iniciativas espalhadas por universidades e empresas que promovem algum tipo de tecnologia baseada na observação da natureza. O objetivo do centro seria agrupar esses profissionais de setores diversos para a produção de tecnologias correspondentes às suas necessidades. A ideia da pesquisadora é “fazer uma plataforma em que você consiga contatar essas pessoas e aí reunir em equipes específicas para desenvolver certos projetos”.

Ainda que o projeto e as iniciativas similares estejam majoritariamente relacionadas à universidade, o biomimetismo não está restrito ao ambiente acadêmico. De acordo com a pesquisadora, o biomimetismo pode ser feito por qualquer pessoa. “Um inventor pode desenvolver um produto biomimético. E quem é o inventor? Uma pessoa habilidosa. Existe muita gente que pode não ter estudado muito, mas tem muita observação da natureza”, diz ela. “Não precisa ser um acadêmico para fazer isso, mas você precisa da academia para se viabilizar. A ideia, a genialidade da criatividade está aí, para todos. Todos têm.”

Tendo em vista o início do projeto em março de 2025, o futuro Centro de Biomimética da USP ainda não está completo. Porém, a iniciativa de criação já é o passo fundamental para sua consolidação futura. “A gente tem tudo para fazer, é só começar, temos que começar em algum momento. Essa é a proposta, e eu estou disposta a dar o primeiro passo”, explica a pesquisadora. “Agora eu sou muito otimista, eu acho que a gente vai chegar lá.”

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