
A saúde mental dos estudantes universitários é um ponto de sensibilidade mapeado pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE/USP) há algum tempo, e foi abordada agora em uma série de vídeos gravados sobre o tema por alunas da instituição.
A ideia veio a partir de um estudo de síntese de evidências sobre como as universidades podem enfrentar o sofrimento psíquico dos estudantes.
A ação foi sugerida pela professora Célia Maria Sivale Campos, que integra o grupo de pesquisa Fortalecimento e desgaste no trabalho e na vida: bases conceituais da saúde coletiva, na Escola de Enfermagem.
“A comissão de curso da enfermagem está sensibilizada com a questão de saúde mental no campus há alguns anos e já vinha fazendo alguns tipos de trabalho”, explica a professora Carla Trapé, também integrante do grupo.
Desde que entrou na Universidade como docente, em 2020, Trapé identificou dificuldades emocionais frequentes entre os alunos, mas a situação foi intensificada com a pandemia da Covid-19.
“Vivemos em uma sociedade competitiva, isso acaba sendo reproduzido dentro da Universidade — essa carga psíquica, de cobrança de produtividade por meio de notas, da produção de artigos, pressão pela conquista do melhor estágio. Esse mal estar social se manifesta no sofrimento do indivíduo, mas não é um sofrimento individual”, explica a professora.
A síntese gerou um Diálogo Deliberativo para entender se aquelas soluções faziam sentido para a realidade da Universidade de São Paulo.
Sob a orientação da professora Carla, então, foi elaborado um projeto para lançamento de uma série de vídeos.
“O sofrimento é individual, mas ele é determinado por esse contexto. O que quisemos passar nos vídeos é que, embora as estratégias individuais sejam importantes, a forma de enfrentamento também tem que ser coletiva”, diz Carla.
Produção
O resultado pode ser visto na série Sofrimento psíquico de estudantes universitários: causas e enfrentamentos neste link. São quatro vídeos, que abordam os temas da saúde mental e sofrimento psíquico, o sucateamento universitário e as barreiras para a implementação de estratégias e, por fim, o contexto neoliberal e o sofrimento psíquico, suas causas e as formas de enfrentamento.
A professora explicou ainda que, com os resultados positivos da inclusão de estudantes mais diversos, inclusive através de ações afirmativas, a questão da permanência estudantil também tem sido desafiadora para o bem estar psíquico.
“As questões dos desgastes do dia-a-dia são ainda mais evidenciadas no caso dos estudantes de classes sociais diferentes. Há estudantes que têm essa dificuldade de permanência, que precisam estudar junto com a faculdade. Temos pessoas com outras características porque, graças a Deus, entramos com uma política afirmativa, mas isso traz heterogeneidade social que precisa ser atendido também”, diz Carla.
Segundo ela, o sofrimento está relacionado a questões de condições de trabalho e de vida das famílias dos estudantes, e à própria dinâmica de individualismo e cobrança da Universidade.
A série de vídeos é uma forma de enfrentar institucionalmente esse problema. O roteiro, a produção e a locução foram feitos por três estudantes da própria escola – duas delas bolsistas e uma voluntária, que desenvolveu seu Trabalho de Conclusão de Curso a partir do projeto.
Outra ação relevante foi a criação da disciplina Enfrentamento dos Desgastes na Universidade. Lançada em 2023, ela teve 776 inscritos no primeiro semestre de oferecimento.
Não foi possível absorver todos os alunos, por se tratar de uma disciplina parcialmente prática – há oficinas e discussões em grupo, que precisam ser realizadas presencialmente. Por isso, ela está sendo novamente oferecida em 2024.
“Tem sido interessante porque os estudantes têm tido esse espaço. A disciplina termina com os estudantes propondo ações coletivas de enfrentamento – participação em coletivos, em processos de formação política na universidade para reivindicar melhores condições, reivindicar participação na definição da matriz curricular”, diz Carla.
Segundo ela, a própria escola de enfermagem está atuando em várias frentes. Os trabalhos estão sendo considerados para pensar em diretrizes de enfrentamento não só do sofrimento psíquico dos estudantes, mas dos desgastes de forma geral manifestados no sofrimento deles, de trabalhadores e de professores.
Está ocorrendo também um processo de reorientação curricular, que busca minimizar esse desgaste aumentando os horários livres na grade e os espaços de discussão sobre esses desafios.
Também vêm ocorrendo conversas nas recepções dos novos alunos e tutoria acadêmica para discutir a questão da produtividade, da competição, do individualismo – o quanto é prejudicial e o quanto é imposto, e como é que se faz esse enfrentamento.
“O projeto de tutoria foi um outro braço que saiu de todos esses levantamentos. A gente faz com o primeiro ano para tentar apoiar os alunos nessa passagem do ensino médio, do cursinho pra universidade”, explica a professora.
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