Sítios Naturais Sagrados: a conexão entre território, cultura e espiritualidade indígena no Alto Rio Negro

[Bahsebo ou Serra Curicuriari - Lugar Sagrado: Reprodução/Cisnea Menezes Basilio]

No Alto Rio Negro, na Amazônia, os Sítios Naturais Sagrados (SNSs) guardam mais do que rochas e paisagens. Esses locais, profundamente conectados à cosmologia e à história dos povos indígenas, são considerados uma extensão do próprio corpo de quem habita o território. Foi com esse olhar que a pesquisadora Cisnea Menezes Basilio, ou Wisú, primeira geóloga indígena do Brasil e do povo Desana, palestrou no dia 22 de agosto de 2024, no Salão Nobre do Instituto de Geociências da USP, sobre sua tese de mestrado intitulada: “Geologia dos lugares sagrados dos povos Umükori Mahsã (Desana) e Yepamahsã (Tukano) em São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, Brasil”. Seu trabalho mostra como a geologia se entrelaça às narrativas míticas e práticas culturais, revelando a riqueza ancestral que molda a identidade indígena.

[Interrelação entre os elementos da geodiversidade e os lugares sagrados, evidenciados pelas pinturas de Feliciano Lana, um artista plástico, líder indígena e escritor brasileiro que retratou a mitologia da etnia Desana: Reprodução/Pesquisa de Cisnea Menezes Basilio]
Em entrevista à Agência Universitária de Notícias (AUN), Wisú explica: “Os lugares sagrados, como as casas de transformação, são os pontos onde os primeiros seres humanos surgiram na cosmologia do Alto Rio Negro. Para nós, esses locais têm guardiões e exigem respeito. Cada pedra, montanha ou rio conta uma história e carrega um ensinamento.”

A pesquisa de Wisú, que é mestra em Geociências pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), vai além da análise geológica. Ela investiga a importância espiritual e cultural dos SNSs e destaca a necessidade de políticas públicas que formalizem sua preservação. Até o momento, apenas um sítio da região foi reconhecido como patrimônio cultural imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan): a Cachoeira de Iauaretê. 

Para Wisú, a geologia também desempenha um papel transformador ao dialogar com o conhecimento ancestral indígena. “A ciência deve inovar. A geologia não é apenas para a exploração mineral, mas também para defender territórios e conectar o conhecimento técnico com o saber dos povos tradicionais”, afirma a pesquisadora. 

Ela acredita que o reconhecimento formal desses locais, com critérios que respeitem os valores culturais indígenas, é essencial para enfrentar as ameaças ao território. Além disso, Wisú busca levar sua pesquisa de volta às comunidades, com materiais acessíveis para escolas e famílias. “Nosso corpo é uma extensão do território, e o território é uma extensão do nosso corpo. Essa conexão precisa ser entendida para que possamos proteger esses lugares sagrados”, conclui. 

A trajetória de Wisú inspira novas gerações e reafirma a importância de dar protagonismo às vozes indígenas na ciência e na preservação ambiental. Enquanto organiza seus próximos passos, ela mantém o compromisso de traduzir seu trabalho em ações que valorizem o território e as culturas ancestrais.

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