Aumento da dengue tem correlação com incidência do El Niño, diz estudo

Pesquisa da Fapesp revela que fenômeno meteorológico causa aumento de chuvas e, consequentemente, aumento de água parada em possíveis criadouros do mosquito

Imagem de capa: James Gathany/ Wikimedia Commons

Em 2024, foram registrados 6,5 milhões de casos prováveis de dengue no Brasil até o dia 7 de outubro, segundo o Painel de Monitoramento de Arboviroses. Somente na capital paulista, que concentra 32,2% dos casos, houve 365 mortes confirmadas. Esse é o maior número de casos da série histórica, iniciada em 1986. Entre diversas razões, eventos climáticos extremos, como o El Niño, estão intrinsecamente ligados ao aumento do principal transmissor da dengue, o mosquito Aedes aegypti, segundo pesquisa realizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). 

Analisando dados de 2008 a 2018 de todos os municípios do estado de São Paulo, os cientistas da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e da Imperial College London, em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado, chegaram a conclusão que em anos de El Niño, a infestação do mosquito aumenta. O número de larvas coletadas nos municípios aumenta mais de 100%, se comparado a períodos climáticos amenos. 

“O ano de 2023 foi um ano de El Niño forte, e também foi o ano que a gente teve o maior número de casos de dengue no Brasil”, explica o professor Francisco Chiaravalloti-Neto, um dos coautores do estudo. “A gente associou o aumento da infestação com o aumento da temperatura e aumento da chuva”.

“[O El Niño] aumenta numa intensidade e numa quantidade que faz com que a gente tenha mais mosquitos. Se tiver mais mosquitos, a gente vai ter mais dengue, zika e chikungunya”, Francisco Chiaravalloti-Neto, professor da FSP

El Niño

O El Niño é um fenômeno meteorológico que ocasiona o “aumento da temperatura superficial do mar, acima dos seus valores normais, que se mantém por vários meses no Oceano Pacífico tropical e altera o clima de diferentes regiões do planeta”, segundo Luis Andrés Flores, aluno do programa de mestrado em Meteorologia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.

“Quando os ventos alísios [indicados pelas setas na superfície são mais fracos, os ventos na região do pacífico oeste sopram para leste, levam a convecção e mudam a circulação atmosférica. Essa mudança favorece e desfavorece as regiões de precipitação no mundo, uma vez que esses ventos descendo inibem a precipitação”, explica Luis Flores. Imagem: Durlav/ Wikimmedia Commons
Essa mudança de temperatura está diretamente relacionada à quantidade e frequência de precipitações no mundo inteiro, segundo Luis. “[O El Niño] vai favorecer as chuvas, levá-las um pouco mais para o norte. É por isso que quando se tem eventos como este, há mais chuvas na região sul e a região nordeste é favorecida com seca, com menos chuva”. Contudo, nem todas as ocorrências do El Niño são iguais; os padrões de temperatura do mar podem mudar de acordo com cada ocorrência do evento e, com eles, a intensidade das chuvas.

Segundo o mestrando, a ocorrência do El Niño pode ser mais frequente e intensa de acordo com o avanço das mudanças climáticas, e suas previsões também ficam mais difíceis de serem realizadas. O fenômeno La Ninã, que causa o efeito contrário – diminuição da temperatura da superfície do mar, também pode se tornar mais extenso: “Se a gente tá vendo que com as mudanças climáticas vai ser difícil a prevenção, a gente tem que atuar”.

Combate à doença

Em sua pesquisa, Chiaravalloti-Neto observou uma alta incidência de larvas em recipientes descartados ao ar livre, registrando neles temperaturas acima de 23,3° e volumes de chuvas acima de 153 milímetros. Ele afirma que é essencial, para o combate ao mosquito, que se eliminem potenciais criadouros da espécie. “Ele se cria [principalmente] em recipientes artificiais, como uma lata com água, um pneu, um vaso de planta. São criadouros que estão próximos do ser humano, principalmente na área urbana”.

Em um cenário de melhora, o pesquisador também afirma que a vacina contra a dengue é uma notícia boa. Além disso, o combate à doença é uma junção do investimento do Estado com a educação da população: “Vacina, controle do mosquito, a educação e colaboração da população para que a gente diminua a intensidade dos casos e diminua o número de óbitos também. Do ponto de vista do Estado, os municípios, os estados e o país têm que investir mais no controle da doença”.

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