
A fauna amazônica sempre despertou grande interesse da comunidade científica, pois a floresta é tratada como o “pulmão do planeta” e um dos maiores reservatórios de biodiversidade do mundo. Um exemplo desse esforço de pesquisa é o estudo da espécie de sapo Rhinella margaritifera — também conhecido como sapo-folha —, conduzido pelo pesquisador Antoine Fouquet, pós-doutor pelo Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP), que oferece novas perspectivas sobre os padrões evolutivos dos anuros (sapos, rãs e pererecas) na região.
Embora os resultados não possam ser generalizados para toda a fauna da Amazônia, a pesquisa revela importantes pontos sobre a dinâmica de diversificação e adaptação de espécies em um dos maiores ecossistemas do planeta. De acordo com o francês, o grupo da espécie apresenta um padrão evolutivo único entre os anuros amazônicos: “O caso de Rhinella margaritifera é relativamente diferente dos outros anuros e mais parecido a grupos de aves ou mamíferos, no sentido que a diversificação foi super rápida, com muita dispersões através da Amazônia inteira.”
Segundo Miguel Trefaut, professor do IB e também autor do artigo, o estudo indica que cerca da metade das espécies detectadas ainda não têm sequer nome científico. “A história do grupo teve origem na porção oeste da Amazônia, próxima aos Andes, e está diretamente relacionada com o soerguimento dos Andes, que na etapa final provocou o esvaziamento do sistema lacustre Pebas, causando a dispersão e diferenciação do grupo para leste.”
Essa diversificação entre os sapos deriva principalmente da variedade de microhabitats amazônicos, devido aos diferentes sítios de reprodução de uma espécie a outra. Enquanto algumas usam castanhas ou buracos nos troncos e raízes, outras usam poças que se formam ao lado de rios e riachos, que se dispersam de forma mais eficiente.
Fatores geológicos e climáticos
Ao longo dos últimos 10 milhões de anos, diversos fatores geológicos e climáticos moldaram a fauna amazônica, incluindo os anfíbios. Fouquet explica que o estabelecimento do sistema fluvial transcontinental da Amazônia foi um marco crucial para a evolução da região, em que, gradualmente, o oeste amazônico se inchou de sedimentos e a floresta de terra firme ganhou importância, o que criou barreiras físicas temporárias. “A hidrologia ficou muito dinâmica no oeste e o curso dos rios mudam muito, fazendo passar populações inteiras de um lado ou outro dos rios regularmente.”
Já na parte leste da Amazônia, as mudanças foram mais climáticas, com maior estabilidade no curso dos rios. Além desses fatores, Trefaut informa que os períodos glaciais, com temperaturas abaixo das médias atuais, provocaram um entalhamento maior dos rios, ao passo que nos interglaciais, vastas áreas foram inundadas, provocando expansão e retração de áreas florestais, que causaram divergência durantes períodos de isolamento. Porém, de acordo com Fouquet, esse resfriamento gradual teve diferentes impactos, de maneiras distintas, em função das espécies, dos habitats e da história natural, como modos de reprodução.
O papel dos rios como barreiras geográficas também varia para diferentes tipos de rios e espécies. “Para espécies aquáticas, os rios não são barreiras, e essas geralmente têm amplas distribuições na Amazônia. Para espécies de terra firme, os rios são barreiras, mas onde o curso dos rios é dinâmico, com bastante fluxo através deles, não parecem necessariamente barreiras”, comenta. Além disso, o pesquisador afirma que os rios podem desacelerar a dispersão ou o fluxo gênico, mas não são fatores primários para isolação, que também pode ser provocada pela climatologia ou fragmentação do habitat.
Trefaut explica que, de modo geral, os anfíbios são muito sensíveis à qualidade de habitat e tem baixo poder de dispersão, o que restringe o fluxo gênico. “A maioria das aves tem grande poder de dispersão e, portanto, o fluxo gênico é maior entre populações isoladas. Ainda assim, muitas espécies de aves são limitadas por rios. No caso de répteis a situação varia de acordo com a espécie e sua ecologia”, complementa.
Importância da genética
Outro ponto crucial destacado por Fouquet é o uso de técnicas genéticas e morfológicas para delimitar novas espécies. Nos últimos anos, a prática que se generalizou foi usar os dados genéticos para delimitar grupos e compará-los com morfologia. Conforme Trefaut, muitos casos apresentam caracteres morfológicos facilmente identificáveis, que permitem reconhecer imediatamente uma espécie. Contudo, há espécies crípticas, que não apresentam diferenças óbvias e que só a genética permite mostrar que são diferentes.
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