Quanto o treinamento aeróbico diminui danos de doenças cardiovasculares?

Estudos investigam como o exercício físico pode combater a hipertensão e o câncer, além de revelar o papel dos RNAs não codificantes na regulação genética de enfermidades cardíacas, apontando para novas terapias menos invasivas.

Pesquisadores da USP investigam segredos do corpo: “O exercício melhora a saúde do coração, mas queremos entender o mecanismo por trás disso."

Em linhas de pesquisa semelhantes e inovadoras, os pesquisadores Luis Felipe Rodrigues e Bruno Pelozin, ambos da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, investigam os efeitos do treinamento físico aeróbico sobre a saúde do coração e a progressão de doenças, como o câncer e a insuficiência cardíaca. Os trabalhos paralelos exploram também o papel inovador dos chamados “RNAs não codificantes”, o que pode abrir janelas para tratamentos novos, mais eficazes e menos nocivos para essas condições.

O trabalho de Rodrigues é pioneiro ao abordar o impacto conjunto da hipertensão arterial e das complicações ligadas a células cancerígenas. A hipertensão, também conhecida como pressão alta, pode causar inúmeras doenças cardiovasculares, que, por sua vez, figuram ao lado do câncer como as duas principais causas de morte no mundo. A ideia de sua pesquisa é esclarecer como essas disfunções, quando associadas, podem agravar os danos ao organismo.

Já a linha investigativa de Pelozin aprofunda a compreensão sobre a insuficiência cardíaca, última etapa da progressão das enfermidades do coração, e estuda de que maneira o exercício físico pode alterar o comportamento epigenético (camada adicional de complexidade biológica que influencia o DNA) desse órgão.

Ambos os estudos partem de uma questão comum: como o corpo reage ao exercício físico diante de condições crônicas e graves? Enquanto o foco de Rodrigues está na compreensão das interações entre as enfermidades e no papel preventivo do exercício, Pelozin concentra-se nos mecanismos moleculares que o treino físico ativa, especificamente a regulação dos RNAs não codificantes longos. Dessa forma, as duas pesquisas abrem espaço para novas estratégias tanto para tratamento e controle quanto para prevenção de doenças, com melhoras da qualidade de vida.

Câncer e doenças cardiovasculares

Luis Felipe Rodrigues, mestrando na EEFE, está à frente de uma pesquisa que se debruça sobre a relação entre a hipertensão arterial e o câncer de Walker-256, um tumor mantido em laboratório que fornece células cancerígenas utilizadas em estudos experimentais. “Existe uma grande probabilidade de pessoas com câncer desenvolverem doenças cardiovasculares e vice-versa”, explica o pesquisador. O objetivo aqui é entender como esses distúrbios se comportam quando ocorrem simultaneamente e qual o impacto do exercício físico aeróbico na redução de danos e sequelas.

O estudo mostrou que a combinação de hipertensão e do câncer pode provocar pioras significativas na saúde das cobaias (ratos de laboratório), incluindo maior crescimento tumoral e maior intolerância ao exercício físico. Porém, ao submeter os animais a sessões de treinamento aeróbico, Rodrigues observou uma melhora expressiva. “Os animais que nadaram apresentaram uma mudança em todo o perfil negativo, mostrando que o exercício pode ser uma ferramenta poderosa para combater essas doenças”, afirma ele.

Além de investigar o impacto do exercício na saúde física, o pesquisador também está interessado nos RNAs não codificantes, pequenas moléculas que podem ser utilizadas como “biomarcadores” (uma espécie de alerta do corpo) para prever complicações médicas. “Esses RNAs são muito mais sensíveis do que os marcadores tradicionais, permitindo identificar problemas antes que eles se manifestem de forma mais grave”, explica. No futuro, o objetivo é que esses biomarcadores possam ajudar no tratamento precoce de pacientes com câncer e doenças cardiovasculares.

RNAs e Insuficiência Cardíaca

Enquanto Rodrigues foca na interação entre as células cancerígenas e patologias cardiovasculares, Bruno Pelozin, doutorando na mesma instituição, direciona seu olhar para os efeitos do treinamento físico aeróbico em pacientes com insuficiência cardíaca, especificamente aqueles com histórico de infarto do miocárdio. Sua pesquisa busca entender como o exercício pode modular a expressão de RNAs não codificantes longos (lncRNAs) no coração.

Os lncRNAs têm papel fundamental na regulação dos genes envolvidos na fibrose, angiogênese e hipertrofia cardíaca — processos essenciais para a progressão da insuficiência cardíaca. “Esses RNAs foram por muito tempo considerados lixo genético, mas hoje sabemos que eles desempenham funções críticas na regulação dos mecanismos cardíacos”, explica Pelozin.

Sua pesquisa, também conduzida em cobaias, analisa o impacto do treinamento físico na expressão desses lncRNAs e como eles podem ser utilizados como alvos terapêuticos. Os resultados iniciais indicam que o exercício não apenas melhora a função cardíaca dos animais, como também pode regular esses RNAs, oferecendo novas possibilidades para o tratamento da insuficiência cardíaca. “O exercício melhora a saúde do coração, mas queremos entender o mecanismo por trás disso. Sabemos que os lncRNAs desempenham um papel importante, e desvendar esse processo pode abrir portas para novos tratamentos”, pontua o pesquisador.

Um estudo publicano em outubro de 2023 na prestigiada Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) investigou como essas moléculas podem ajudar a diagnosticar e tratar doenças. A principal conclusão foi que os RNAs não codificantes aumentam em 46% a leitura de genes associados a doenças e em 107% a observação de interações celulares.

Exercícios e saúde cardiovascular 

Ambos os pesquisadores enfatizam a importância do exercício físico como uma ferramenta fundamental para a saúde. “O exercício é uma arma poderosa que, mesmo em pequenas doses diárias, pode trazer enormes benefícios a longo prazo”, ressalta Rodrigues. Pelozin, por sua vez, destaca que a pesquisa da EEFE busca não apenas estudar a progressão das doenças, mas também oferecer soluções práticas que possam melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

“Utilizamos o exercício como tratamento e os resultados mostram que ele realmente funciona. O próximo passo é entender como aplicar isso de maneira mais eficiente e personalizada para cada paciente”, resume o doutorando.

Diante desses projetos de pesquisa que podem ser o trabalho de suas vidas, ambos estão ajudando a traçar novos caminhos para o tratamento de patologias cardiovasculares e no combate ao câncer, mostrando que a combinação entre ciência e atividade física pode ser uma aliada poderosa.

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