Pesquisadores conseguem resultados promissores em testes de inibição de proteína relacionada ao câncer

Estudo pode ajudar no desenvolvimento de novos tratamentos para dois tipos de tumor

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 9,6 milhões de pessoas morrem em decorrência de câncer por ano no mundo — Imagem: Marcos Santos/USP Imagens

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP realizaram testes bem sucedidos de inibição da ezrina, proteína que pode ser um novo alvo terapêutico no tratamento de câncer de colo de útero (cervical) e câncer gástrico. O estudo foi desenvolvido pela doutoranda Maria Fernanda Lopes Carvalho, sob orientação de João Agostinho Machado-Neto, professor associado do Departamento de Farmacologia do ICB, e contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

“A ezrina é uma proteína associada a vários tipos de câncer”, conta João Agostinho. Ela atua tanto na oncogênese, processo de formação do tumor, quanto na progressão da doença. O câncer é caracterizado pelo crescimento desordenado de células e pela capacidade dessas células em se espalhar para outras partes do corpo e até chegar a órgãos vizinhos distantes do tumor (metástases). 

O professor explica que Maria Fernanda já tinha investigado o impacto da ezrina nas características clínicas e biológicas da doença. “Comecei a pesquisar sobre câncer de pâncreas na minha iniciação científica”, diz a doutoranda. “E, no nosso laboratório, havíamos demonstrado também o papel relevante desta proteína na leucemia”, continua. Neste novo estudo, os pesquisadores ampliaram o escopo da análise para mais de 30 tipos de tumores e selecionaram o câncer do colo do útero e câncer de estômago como os principais focos.

O Brasil deve registrar mais de 700 mil casos de câncer nos próximos três anos de acordo com projeção do Instituto Nacional do Câncer (INCA) — Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons

“A primeira etapa do estudo consistiu de análises de bioinformática”, conta Maria Fernanda. A bioinformática utiliza técnicas computacionais e estatísticas para analisar, interpretar e processar dados biológicos. Foram reunidos dados de coortes (estudos com um grande conjunto de pacientes) do Atlas do Genoma do Câncer (TCGA, da sigla em inglês The Cancer Genome Atlas). O projeto, desenvolvido pelo Instituto Nacional do Câncer (NIH) e o Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (NHGRI) dos Estados Unidos, é uma base pública de catalogação de alterações genômicas responsáveis pelo câncer.

Com as informações reunidas, os pesquisadores analisaram os efeitos da proteína no câncer cervical e gástrico. “Queríamos ver se a ezrina tinha algum impacto na sobrevida ou nos processos biológicos da doença”, explica Maria Fernanda. A investigação comprovou que os pacientes que expressavam mais o gene EZR, responsável por codificar a proteína, tinham um prognóstico desfavorável. “Eles estavam morrendo mais e em menos tempo”, afirma a pesquisadora.

Em seguida, eles testaram a inibição da ezrina, utilizando o inibidor farmacológico NSC305787. “O inibidor se liga à molécula-alvo e impede que ela seja ativada, inibindo suas funções”, esclarece João Agostinho. Os testes apontaram que o inibidor reduzia a proliferação celular e a expressão de genes relacionados à sobrevivência das células tumorais. Comprovados os efeitos antineoplásicos, ou anti-câncer, do inibidor, os pesquisadores acreditam que a ezrina pode ser um potencial alvo terapêutico para o tratamento de tumores.

Pesquisas futuras

João Agostinho enfatiza a importância dos bancos públicos de dados sobre o câncer e da bioinformática para o estudo. “Essa é uma área em ascensão na ciência. Os grandes grupos internacionais depositam publicamente dados clínicos, laboratoriais e de expressão gênica, para que sejam analisados pela comunidade científica e novas conclusões sejam tiradas”, aponta. Para o professor, o pioneirismo do ICB na análise bioinformática e o fomento à pesquisa científica no país, como oferecido pela Fapesp, são essenciais para a continuidade de pesquisas sobre o tema.

“As próximas etapas seriam com experimentos mais complexos, provavelmente, envolvendo modelos animais, para ver se conseguimos reproduzir o que fizemos in vitro, com linhagens de células”, afirma Maria Fernanda. Ela salienta que, embora ainda seja uma pesquisa inicial, os resultados promissores na escala celular são importantes para que os estudos continuem e reforça a importância da pesquisa básica para o avanço da ciência, pois ao explorar de que forma proteínas, como a ezrina, contribuem para o desenvolvimento do câncer, ela abre portas para futuros tratamentos e intervenções clínicas inovadoras.

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