Gol contra que mata mulheres

Pesquisa da FEA-USP identifica um aumento do número de casos de violência doméstica por causa de resultados inesperados do futebol

Álcool e emoções fortes causadas por um jogo disputado são os principais fatores que explicam os casos de violência doméstica [Imagem: Reprodução/Freepik]

GOOOOLLLL. Uma palavra curta de apenas três letras que traz significados distintos para cada pessoa. Positivo, quando seu time favorito ganha. Negativo, quando o time adversário desempata. E sensação de medo, quando o time do seu marido perde.

É o que observou uma dissertação de Mestrado da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP) ao analisar a conexão entre futebol e violência doméstica.

Intitulada Gol contra: impacto do futebol sobre a violência doméstica no Brasil, a pesquisa de Isadora Bousquat, orientada pela professora Paula Pereda, identificou que a ocorrência de um resultado inesperado em uma partida de futebol resulta em um aumento de 7.6% dos crimes domésticos nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Logo, quando um time tido como favorito a vencer acaba perdendo um jogo disputado, aumenta os números de feminicídio e violência contra mulher.

Gol de bicicleta que marcou a pesquisa

Para encontrar os resultados da sua pesquisa, Isadora focou sua análise em dados de sites de apostas dos times da Série A e Série B do Campeonato Brasileiro, a fim de identificar quais eram os favoritos a ganhar ou perder determinados jogos. Em seguida, ela relacionava esses dados com os números de Boletim de Ocorrência (BO) sobre violência doméstica durante o horário do jogo para atestar um aumento quando ocorria a derrota de um time esperado a ganhar.

Apesar do aumento preocupante de 7.6%, a pesquisadora alerta que esse número pode ser bem maior na realidade. Como ainda existe um grande número de vítimas que não denunciam seu agressor por medo ou pela distância de existir uma delegacia próxima, o número de BOs verdadeiro não corresponde ao disponível para análise.

Apito do juiz que explica a violência

Esse aumento de violência doméstica pode ser explicado por um grande consumo de álcool nos dias de jogos, capaz de resultar em um pico de raiva com emoções fortes e inesperadas. Os traços culturais da sociedade brasileira baseados no sistema patriarcal também são motivos que explicam esses dados.

Entender melhor essas razões dos crescentes casos de violência e  a possibilidade de contribuir para os estudos de gênero foram motivos que levaram Isadora a pesquisar esse tema. De acordo com ela, o período da COVID-19, em que mulheres ficaram confinadas com seus agressores, e o caso de Érica Fernandes, mulher morta por seu parceiro após o time dele perder a Libertadores, também contribuíram para escolher realizar essa dissertação.

Isadora Bousquat, autora da dissertação, pesquisa a questão de gênero com base em aspectos econômicos e sociais [Imagem: Reprodução/Acervo pessoal de Isadora]

“Antes todo mundo tinha uma lógica absurda de que em briga de marido e mulher não se mete a colher”, comenta Isadora. “Por isso, poder contribuir para melhor entender essa questão e modificá-la, mesmo que de forma pequena, foi o que me motivou a estudar a violência no Brasil.”

Defesa do Goleiro contra a violência doméstica

Como os casos de violência doméstica aumentam justamente nos dias de jogos, Isadora sugere a veiculação de propaganda preventiva durante as partidas para combater essas taxas. Outras medidas sugeridas pela autora para diminuir os casos de feminicídio são a possibilidade de realizar BOs online e a maior existência de delegacias da mulher aberta 24 horas em diferentes regiões do país para que mais vítimas possam denunciar seus agressores e evitar uma eventual tragédia.

Os jogos do Paulistão já incluem propagandas contra a violência doméstica durante os seus jogos. A proposta de Isadora é que esse hábito seja incluído em todos os jogos brasileiros [Imagem: Reprodução/Acervo pessoal de Isadora]
Ensina às tuas filhas que nenhum buquê de rosas perdoa agressões, porque flores até nos túmulos podem lhe levar. Uma frase comum nas redes sociais revela que mais do que impedir a violência doméstica, é preciso prevení-la. De acordo com a autora, é necessário explicar para a população o que é a violência doméstica e quais são os seus tipos, bem como aumentar a educação de gênero nas escolas.

“Torço que continue havendo esse movimento de economistas que contribuírem para a sociedade, unidos com a análise sociológica e psicológica, para construir evidências de um problema.” defende a pesquisadora. “Assim, conseguiremos criar políticas públicas efetivas baseadas em evidências”.

Para conferir a dissertação de mestrado de Isadora na íntegra, acesse o site de Teses USP.

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