Por Diogo Leite, Erick Lins, Fernando Cardoso, Mateus Dias e Fábio Martins
Olimpíadas científicas são competições baseadas em testes de conhecimento. Por meio de provas, experimentos e problemas teóricos e práticos, esses torneios desafiam estudantes dos mais diversos níveis, em várias áreas do saber, incentivando-os a conhecer e se aprofundar em tópicos mais avançados de diferentes disciplinas. No Brasil, considerando apenas olimpíadas de nível nacional – existem também competições regionais e internacionais – o portal Medalhei, criado por ex-participantes de olimpíadas para ajudar outros alunos, lista 97 competições, em áreas que vão da geografia à computação.
Em geral, as olimpíadas regionais, comumente organizadas por associações e universidades (em nível estadual), selecionam alunos para as fases nacionais, como na Olimpíada Brasileira de Química (OBQ). Outras olimpíadas, como a brasileira de Astronomia (OBA), não tem etapa estadual, e os participantes competem em nível nacional. A partir daí, várias fases eliminatórias e classificatórias selecionam estudantes para representar o Brasil em olimpíadas internacionais. Grupos pequenos, de cinco a dez pessoas, no geral, enfrentam alunos de dezenas (ou centenas) de países em competições que costumam ser divididas entre ibero-americanas e mundiais.
Nessa seara, o Brasil é destaque em todo o mundo. Na Olimpíada Internacional de Economia (IEO, na sigla em inglês), por exemplo, o país foi o primeiro lugar geral da competição por três anos consecutivos, de 2019 a 2021. Em 2022, levamos a prata, atrás apenas dos EUA. Em terceiro lugar, ficou a seleção canadense, treinada por um brasileiro, Guilherme Pita, que fez parte do time do Brasil em 2019.
Em outras áreas, como a matemática, encerramos 2022 como o país com mais premiações em olimpíadas universitárias do Continente Americano. Na Olimpíada Internacional de Matemática (IMO) deste ano, disputada entre estudantes do Ensino Médio e considerada a maior olimpíada mundial de conhecimentos, com mais de cem países participantes, o Brasil bateu seu recorde de medalhas conquistadas, com dois ouros, uma prata e dois bronzes. O time brasileiro ficou em 19º no ranking geral, à frente de países como Alemanha e Bélgica, que derrotaram o país em recentes Copas do Mundo.
As olimpíadas científicas são disputadas desde o século 19. As primeiras competições conhecidas foram as de matemática, na Hungria, em 1894. No Brasil, a primeira olimpíada científica nacional também foi de matemática. Realizada em 1979 e organizada pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo, a iniciativa foi coordenada pelo hoje professor emérito do Instituto de Física da USP (IF), Shigueo Watanabe.
Edson de Faria, professor titular do Instituto de Matemática e Estatística da USP (IME), fez parte da delegação que o Brasil enviou para a IMO em 1979. Naquele ano, o país ficou em penúltimo lugar. “A gente não tinha a menor ideia do que ia enfrentar ali”, conta Edson. Ele se lembra de aulas preparatórias ministradas no próprio IME, para as quais todo o material que tinham, em uma época pré-internet, eram algumas folhas de exercícios da olimpíada americana. “Nós fomos cobaias, mas depois o Brasil começou a se dar bem nisso.”
Os atletas e as desigualdades
Para os alunos que participam dessas competições nacionais e internacionais, o interesse surge logo cedo, ainda no Ensino Fundamental, quando muitos entram em contato com olimpíadas que ocorrem mais perto de casa, em seus próprios estados, e que trazem a chance de estudar assuntos que não eram nem mencionados dentro da sala de aula.
No caso de Eduardo Ventilari Sodré, aluno do IME premiado em diversas olimpíadas universitárias de matemática, nacionais e internacionais, como a International Mathematics Competition (IMC), a oportunidade apareceu a partir de um professor, que percebeu sua curiosidade. “No sexto ano do Ensino Fundamental, tive a oportunidade de encontrar esse professor do Ensino Médio, que me apresentou pela primeira vez as olimpíadas de matemática. Era muito interessante, porque tratavam-se de conteúdos muito diferentes da matemática que a gente está acostumado, que não é tão instigante e não tem muita coisa além de você fazer vários cálculos e fórmulas padronizadas”, conta Sodré.
Outro aluno do IME, Marcelo Machado Lage interessou-se pelas olimpíadas de matemática por perceber a necessidade que elas exigem de “ser criativo” e de “dominar várias questões técnicas que a escola não passa nem perto de apresentar”. A experiência, ele apontou, até lhe ajudou com as disciplinas do Ensino Superior.
“Sinto que isso me dá uma intuição para as coisas de matemática que não teria sem olimpíada. Quando pego os temas para estudar, percebo que consigo acompanhar os artigos e ter uma intuição sobre o que está acontecendo muito tranquila”, afirma Lage, que foi premiado com medalhas de ouro e prata nas IMOs de 2022 e 2021, respectivamente, além de conquistar premiações em competições universitárias como a IMC e em diversas olimpíadas nacionais e ibero-americanas.
O sonho de disputar uma competição fora do país, no entanto, se restringe muitas vezes a certas regiões do país. Sodré, que veio de Brasília para estudar na capital paulista, conta que, no Ensino Médio, sua evolução nas competições foi limitada pela falta de expertise do colégio em que estudava na preparação para olimpíadas científicas. Hoje, colégios paulistas, como Etapa e Objetivo, e cearenses, como Ary de Sá e Farias Brito, monopolizam as vagas de times internacionais, já que oferecem cursos especiais para alunos que se dedicam às competições. Em 2022, as duas medalhas de ouro do Brasil na IMO foram de alunos do Etapa.
Mesmo na Universidade que muitos consideram a melhor do país, participar de olimpíadas do conhecimento ainda é algo novo, onde não há muita estrutura e apoio institucional. Esse cenário, ao mesmo tempo que permite que os alunos participem ativamente dessa construção, gera muitas dificuldades, principalmente do ponto de vista financeiro.
“Quando entrei [na USP] não tinha uma cultura de olimpíada muito ativa. Na verdade era bem fraca e tinham pessoas com grande potencial ali, só que não tinha um núcleo”, disse Eduardo. “É uma coisa que sinto que depende muito da gente correr atrás, o que não necessariamente é ruim, mas, se você está muito ocupado com essas coisas da vida, às vezes você não encontra tanto tempo.”
“As competições são extremamente caras, então não é como se fosse uma coisa casual. Tem que ter um financiamento para isso, porque é uma coisa que afeta bastante o orçamento”, acrescentou Eduardo.
Ainda assim, quando os fatores contribuem para a participação em competições internacionais, a oportunidade de viver novas experiências e representar o país fazem os esforços valerem a pena. “Fiquei muito feliz com essa oportunidade de conhecer pessoas novas e representar o Brasil nesse cenário”, diz Sodré.
Olimpíadas e transformação
A desigualdade educacional no Brasil está diretamente ligada a renda, etnia e região. De acordo com dados do Censo Educacional Brasileiro de 2017, a distorção idade-série dos estudantes do ensino médio no Norte e Nordeste é de 43% e 39%, respectivamente, o que quer dizer que cerca de 40% dos alunos dessas regiões está com o grau de instrução defasado em relação à sua idade. Essas regiões apresentam maior percentual de pobreza e desigualdade social. Segundo Daniel Lavouras, diretor do Departamento de Difusão e Promoção da Ciência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, as olimpíadas de conhecimento surgem da necessidade de reduzir essas desigualdades na educação brasileira.
“As olimpíadas são uma política pública de grande alcance e capilaridade, com custos baixíssimos. Tudo isso faz delas uma candidata natural a esse investimento, com potencial gigante para ajudar o país a virar a página da Educação”, aponta Daniel Lavouras, mais conhecido como Bagual, responsável por organizar diversas olimpíadas de conhecimento no Brasil.
Mesmo que bons resultados sejam importantes, o poder transformador das olimpíadas de conhecimento está na base e no incentivo que dão aos alunos para buscar aprender cada vez mais sobre os conteúdos trabalhados. “Principalmente nas fases iniciais, as olimpíadas de conhecimento aumentam o potencial de mudança. Elas aumentam o poder de transformar a realidade de escolas e cidades.”
Em comparação com o futebol, Bagual explica essa importância. “O tesouro da olimpíada não é quando há um ou dois participantes. Precisamos que todo mundo jogue bola para o futebol ser legal, para mesmo as pessoas que não jogam bola acompanharem o Campeonato Brasileiro e a Copa do Mundo. Não jogo, mas sei que é importante porque faz parte da nossa cultura e isso é o que a gente chama de febre olímpica. Preciso fazer com que a escola entre nesse ciclo virtuoso que é a febre olímpica”.
Cocal dos Alves, no Piauí, é um dos cases de sucesso do potencial transformador das olimpíadas. A cidade tem um dos IDH mais baixos do país, mas nas últimas duas décadas as competições foram responsáveis por transformar a vida da população local. “Hoje todos os médicos da cidade são ex-alunos de olimpíadas. Tem alunos de Cocal dos Alves com doutorado, enfim, mudou a história da cidade”, conta Daniel.
“Alunos que participaram de olimpíadas são multiplicadores de conhecimento. Há vários projetos de olimpíadas liderados por estudantes que não necessariamente tiveram o melhor desempenho. Às vezes eles simplesmente gostaram de participar e criaram um centro de treinamento para outros alunos.” Por isso, Bagual defende que a desigualdade competitiva enfrentada por quem não estuda em escolas com estrutura de preparação para olimpíadas é um problema menor. “Nem todo mundo que joga futebol vai ser o Neymar, mas o importante é que quem se sobressair incentive outras pessoas a participarem da competição.”
Falta de financiamento
Hoje, boa parte das olimpíadas é financiada por instituições públicas ou filantrópicas, como universidades e sociedades de cientistas. Desde 2002, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, lança anualmente um edital com recursos voltados para o financiamento de olimpíadas científicas. A partir de 2006, o Ministério da Educação passou a contribuir com recursos para esse projeto. Os valores disponibilizados, no entanto, cresceram pouco ao longo dos anos.
Apenas agora, em 2022, o crescimento foi expressivo. O valor ofertado, de R$ 8,8 milhões, é mais que o dobro do oferecido em 2021, de R$ 4 milhões. Ainda assim, apenas 31 olimpíadas serão contempladas, número que, diante das mais de 90 competições existentes no país, ainda é baixo.
Aos poucos, empresas começam a se interessar por esse universo, patrocinando algumas competições. O BTG, banco de investimentos, é hoje patrocinador da Olimpíada Brasileira de Economia, enquanto a Semantix, empresa de tecnologia, é uma das patrocinadoras da OBA. A participação de entidades privadas no financiamento de olimpíadas ainda é baixa, apesar do potencial que o Brasil possui nessas competições.
Assim como nos esportes, nessas olimpíadas desigualdade e busca por financiamento ainda são obstáculos para o inegável talento brasileiro.
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