Estudo com nanopartículas oferece alternativa poderosa na detecção de pesticidas

Sistema estudado captura concentrações abaixo de 1 ppm (uma parte por milhão) e pode ser aplicado para reconhecimento de pesticidas em amostras de água e solo

Imagem: Colagem/]orge Fofano Junior

O pesquisador do Laboratório de Espectroscopia Molecular (LEM) do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, Douglas dos Santos Lopes, investiga o uso de nanopartículas de ouro e de prata na promoção de reações químicas que tornam possíveis a detecção de pesticidas dissolvidos em  água. O processo é realizado por meio da espectroscopia Raman, uma técnica que se baseia na interação entre luz e matéria.

O sistema que Douglas utiliza chama a atenção pela capacidade de detectar compostos de interesse por ser altamente sensível. “Até o momento, consegui detectar moléculas de pesticidas em concentrações inferiores a 10-6 mol/L”, menciona o doutorando. Isso equivale a dizer que a técnica consegue detectar, com resolução adequada, uma molécula do pesticida em meio a um milhão de moléculas de água.

“A técnica pode ser associada, por exemplo, ao mapeamento de processos de bioacumulação destas substâncias carcinogênicas, uma vez ingeridas por seres vivos”, comenta o pesquisador. As substâncias carcinogênicas, ainda que em pequenas quantidades, estão associadas ao desenvolvimento de câncer em diversos tecidos e por isso a importância de detectá-las. O pesquisador ainda comenta que é possível, através da técnica, medir a difusão destas substâncias pelo solo, lençóis freáticos e demais corpos de água”.

Além de seu poderio analítico, devido à comercialização em larga escala de espectrômetros (nome dado ao equipamento que faz a análise), hoje é possível realizar a coleta e obter os resultados in loco, tornando o procedimento mais prático e, portanto, barato.

Os fundamentos da espectroscopia Raman

A espectroscopia Raman funciona com base na irradiação de luz visível, isto é, ondas eletromagnéticas cujos comprimentos são perceptíveis ao olho humano, sobre determinada amostra. Quando a luz bate na matéria, uma parte é absorvida, gerando vibração e outros movimentos no composto, enquanto outra  refrata e se espalha com frequências diferentes das iniciais.  A este espalhamento convenhou-se chamar de espalhamento Raman.

A diferença de frequências entre a radiação incidente e a espalhada corresponde à energia com que átomos presentes na área estudada estão vibrando. Essa frequência permite descobrir como os átomos estão ligados na molécula do pesticida, de que forma interagem entre si, ou com o ambiente.  Assim, um trecho da molécula, ou mesmo a molécula inteira em alguns casos, pode ser reconhecida.

O efeito SERS e as outras “mágicas” das nanopartículas

Embora a espectroscopia Raman seja celebrada por sua simplicidade metodológica, ou seja, requeira poucos preparativos experimentais para que possa ser desempenhada, as interferências de outras substâncias, quase sempre presentes nos espectros, dificultam a leitura dos compostos de interesse, também chamados de analitos. 

Contornar esse problema passa por intensificar o espalhamento produzido pelo analito, o que pode ser feito acoplando-o a superfícies metálicas. O efeito originado a partir desse processo se chama SERS, conhecida em português como  ‘Intensificação de espalhamento Raman por superfície’

O aumento do sinal é apenas uma das funções desempenhadas pelas nanopartículas de ouro e prata no sistema estudado por Douglas. Segundo ele, devido às nanopartículas serem estruturas com dimensões de ordem de 1cm divididas em 10 milhões de porções idênticas, propriedades ópticas muito diferentes acabam surgindo, o que interfere consideravelmente na reatividade química dos sistemas estudados. 

Para o doutorando, este é um ponto crucial de sua pesquisa: “temos conseguido resultados significativos na promoção de reações químicas por efeitos ópticos de nanopartículas. As evidências sugerem que, através dessa propriedade, as estruturas conseguem ancorar átomos de cloro, presentes nos pesticidas, e estabelecer fortes interações com o analito. Se bem-sucedido, esse modelo pode solucionar o principal impasse na implementação da espectroscopia Raman intensificada por superfície”.

Em 2019 e 2020, 935 agrotóxicos foram aprovados

Sob o governo Bolsonaro, 935 agrotóxicos foram licenciados no Brasil, que se consolida como um dos principais mercados consumidores desta classe de produtos.  O ano de 2019 configurou recorde na liberação dos compostos, com 474 novos agrotóxicos. Todos os dados são da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

Essa onda de aprovações vem na esteira da flexibilização de portarias sanitárias que regravam as aplicações quantitativas e qualitativas corretas desses produtos  que, se administrados acima de determinados limites de concentração, são muito prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Por outro lado, uma investigação independente das ONGs Greenpeace e Public Eye sobre notas de exportação de empresas europeias revelou que o Brasil recebeu 41 pesticidas proibidos na própria União Europeia – o que consolida o país como um dos principais mercados consumidores desta classe de produtos. Entre as empresas citadas, estão a suíça Syngenta, que lidera o envio das cargas, e as alemãs Bayer, BASF e Alzchem.

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