O consumo de algumas espécies animais pode causar estranheza a depender da região do mundo. Em países do sudeste asiático, as águas-vivas fazem parte da cultura alimentar, ao passo que, na América Latina e Europa, seu uso como alimento é visto com surpresa e até aversão. Diante desse cenário, biólogos realizam uma pesquisa para entender tal barreira – e tentar quebrá-la.
O professor André Morandini, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB), é um dos pesquisadores que procura explorar o potencial das águas-vivas na América Latina para além da questão biológica. A partir de uma publicação na Itália sobre o entendimento de tal animal como potencial alimento, Morandini, ao lado do pesquisador argentino Agustín Schiariti, pensou em explorar a temática no Brasil e na Argentina. Atualmente, a pesquisa envolve 22 países da América Latina.
“A publicação citada, mesmo que restrita à Itália, traz uma visão do mundo ocidental sobre uma iguaria alimentar, um prato típico oriental, principalmente do Japão e da China”, aponta Morandini. Ele expõe que, quando se fala em águas-vivas, as pessoas costumam relacioná-las principalmente aos acidentes que podem causar. “Muitos têm uma certa aversão a esse animal”, comenta.
Através de um questionário on-line, a pesquisa procura traçar e entender os impeditivos do consumo de águas-vivas na América Latina. Segundo Morandini, muito da nossa cultura alimentar deriva da Europa, então hábitos de países do leste asiático, que são muito próximos ao mar e dependem desse recurso, por exemplo, ainda são vistos de forma restrita. “Por outro lado, com a cultura gastronômica se expandindo, as pessoas têm uma tendência a querer provar coisas diferentes. Com o questionário, então, queremos detectar um pouco da questão cultural, mas também se a curiosidade relacionada ao consumo de águas-vivas é despertada ou não”.
O pesquisador explica que as águas-vivas apresentam grandes explosões populacionais – chamadas de blooms – e essas representariam uma fonte interessante de matéria-prima para ser processada e comercializada. Espécies do gênero Rhopilema são muito comuns e exploradas na Ásia, e a América Latina apresenta alguns de seus representantes, de tamanho menor e consistência menos firme. Esses vêm sendo explorados por países como México e Equador.
Uma das dificuldades de sua exploração está relacionada à variação de tempo e espaço. Segundo Morandini, esses animais existem em períodos de maior e menor quantidade, então de acordo com cada região e ao longo da linha de costa de cada país, sua ocorrência pode variar. Além disso, as águas-vivas diferem em relação ao tamanho e à consistência da gelatina. Tais fatores são levantados por empresas de pesca que têm interesse comercial no animal e que acabam migrando para regiões onde as águas-vivas aparecem em maior número.
Porém, para Morandini, a exploração das águas-vivas pode ser interessante para pescadores artesanais e populações locais. Em algumas regiões do mundo, elas são pescadas de forma industrial, mas segundo o pesquisador, esse modelo não seria o ideal na América Latina. “O que o grupo imagina e tem detectado são pescadores artesanais que se organizam em cooperativas – no México, na Argentina, Equador e Nicarágua, por exemplo – para coletar ou pescar o animal e processá-lo rapidamente, visto que o tempo de degradação é muito rápido”.
O professor compartilha que essa pode ser uma fonte interessante de recursos para esses pescadores artesanais no período de defeso, de restrições para pesca de uma maneira mais ampla, ou se os recursos explorados têm uma determinada sazonalidade, como algumas espécies de peixes, crustáceos e camarões. “Essa seria uma alternativa para se manter a renda dessas populações”, completa.
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