Lei Fundamental de Bonn pode ser inspiração para modelo de impeachment no Brasil

Buscando entender melhor os motivos que levam a um processo de impeachment e realizando o exercício de imaginar melhorias para o sistema brasileiro, pesquisadores da USP realizaram uma comparação entre o mecanismo em diversas partes do mundo e apresentam uma proposta legal — ainda embrionária — que alteraria o rito do impeachment em Brasília, de modo a evitar seu uso estritamente político.

Lei Fundamental da República Federal da Alemanha foi formalmente aprovada em 8 de Maio de 1949 e, com a assinatura dos Aliados, entrou em vigor em 23 de Maio de 1949 (Foto: Tim Reckmann sob licença Creative Commons)

A pesquisa, realizada pelo doutorando Alexandre Evaristo Pinto e pelos mestrandos Tatiane Praxedes Lech e Ygor Pierry Piemonte Ditão, de início analisou brevemente as diferenças existentes entre o parlamentarismo, que possui o voto de censura, e o presidencialismo. Posteriormente, o artigo passou a focar numa comparação histórica entre o Brasil e Alemanha. Desse modo, traçou-se um paralelo entre os dois países, que, ao longo de sua história, tiveram monarquias, governos autoritários e experiências democráticas.

No caso, os impérios se tratariam do Segundo Reich alemão e do período de D. Pedro I e II no Brasil. As experiências autoritárias comparadas foram o Terceiro Reich, de Adolf Hitler e o nazismo, e a Ditadura Militar, ao passo que as experiências democráticas referem-se à Alemanha pós-Guerra e ao Brasil de 1988 em diante.

“Não seria uma boa maturarmos a ideia de um impeachment construtivo como há na Alemanha? A partir dessa indagação, dessa crítica e dessa pergunta é que passamos a estudar e pesquisar para tentar produzir uma teoria que pudesse aplicar isso”, explica Ygor Ditão sobre o fundamento acadêmico de seu projeto.

A ideia desse impedimento construtivo se basearia, principalmente, em necessariamente afastar ambos os membros do Executivo. Isso serviria para estender a toda chapa o voto de desconfiança (pena moral) dada pelo Congresso e também para estender ao vice a imputação das irregularidades, já que sua participação no governo impede axiologicamente que ele não tenha sobre si a presunção pública de envolvimento. Para tanto, a comparação teuto-brasileira foi útil para poderem se inspirar corretamente na Lei Fundamental de Bonn.

O código de Bonn foi promulgado em 1949, quando a Alemanha Ocidental deixou de ser comandada pelo governo provisório dos Aliados e voltou a mãos teutônicas. Apesar de provisório, o texto era muito avançado e bem feito no que tratava a objetividade e retidão nas ações políticas e sociais — muito por conta do trauma de duas guerras em meio século. Desse modo, a Lei manteve-se por décadas como a Constituição alemã de fato, e até hoje é inspiração ao redor do mundo, por sua eficiência na defesa do Estado de Direito.

Eventualmente, os pesquisadores propuseram, ainda que de modo embrionário, uma alteração na Constituição Federal brasileira:

Art. 86. A Câmara dos Deputados só poderá admitir a

acusação, se eleger um sucessor, por dois terços da Câmara

dos Deputados, em sessão conjunta do Congresso Nacional

entre Deputados Federais e Senadores e solicitar ao Senado

o afastamento do Presidente e do Vice-presidente com a

nomeação do substituto eleito.

  • 1º O presidente e o vice-presidente ficarão suspenso de

suas funções nos casos de crime de responsabilidade.

“Acredito que na hora que você responsabiliza tanto o Presidente quanto o Vice, como é nossa proposta no trabalho, evita-se a incoerência do Vice-presidente, que participa do governo em muitas situações — como citamos no artigo, é o caso até mesmo dele promover intervenções federais — e que possui uma participação ativa no governo. Na hora que ele passa a ser responsabilizado também, evita-se que ele entre em jogos políticos subversivos aproveitando de uma ausência de responsabilidade. Ao se transmitir essa mensagem que ele também pode ser impedido, provavelmente — imaginamos — ele passará a participar de uma maneira mais efetiva e congruente com o Presidente. Eles irão trabalhar mais efetivamente juntos e conversar mais efetivamente juntos, porque os dois, como diz o termo popular, ‘estarão na reta’”, explicou Ygor, que ressaltara também o processo de deposição da ex-presidente Dilma Rousseff.

A despeito do julgamento de seu mérito, o impeachment de Dilma tornou-se um espetáculo midiático e promoveu traumas ao processo democrático brasileiro. A postura de Michel Temer em desaprovar sua própria líder, assumindo seu lugar posteriormente, também contribuiu para enfraquecer, perante à população, a ideia de sinergia entre Presidente e Vice. Diante dos problemas gerados, imagina-se que um impeachment efetivamente construtivo poderia evitar a repetição de tantas complicações à democracia local.

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