Métodos éticos de aprendizagem de técnica cirúrgica funcionam

Caixa-preta e simulador de realidade virtual se mostraram igualmente capazes para o ensino de procedimentos minimamente invasivos.

Instrumentos cirúrgicos tradicionais. Crédito: Otto Haab e George Edmund De Schweinitz/ Retirado de: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Atlas_and_epitome_of_operative_ophthalmology_(1905)_(14595911950).jpg

Para o benefício do paciente, a medicina tem preferido operar por procedimentos minimamente invasivos, que são as formas menos agressivas de se acessar o corpo nas intervenções médicas. Por conta disso, é favorável que os alunos de medicina já aprendam a operar assim. Existem algumas plataformas de ensino dessas técnicas que auxiliam a aprendizagem dos futuros médicos e residentes. Duas delas são a caixa-preta, mais tradicional, e o simulador de realidade virtual, mais inovador.

O pesquisador Hugo Gonçalo Guedes, cirurgião e autor do doutorado “Simulador de realidade virtual versus caixa-preta no ensino de procedimentos minimamente invasivos”, publicada este ano, utilizou dados de participantes de 20 outros trabalhos para comparar o nível de proficiência técnica alcançado com um ou outro método.

Os 695 estudantes de medicina e residentes que participaram ainda não tinham aprendido as técnicas de um procedimento minimamente invasivo específico. Eles foram divididos entre dois grupos, sendo que, em cada um, a aprendizagem aconteceu exclusivamente por uma plataforma.

Ao final, Guedes, considerando o tempo necessário para que os alunos realizassem uma cirurgia e seu desempenho, afirma que “as duas plataformas são equivalentes e podem igualmente ser submetidas ao ensino”, apesar de apresentarem particularidades.

O método da caixa-preta é “simples, material” e, hoje, o termo designa qualquer treinamento feito em material físico. Originalmente, consistia de uma estrutura fechada, em que havia apenas uma fonte de luz e uma câmera óptica. Na pesquisa, o acesso ao interior da caixa foi feito por meio de instrumentos característicos, com os quais os estudantes realizavam pequenas tarefas, como dar um nó em um fio. Com isso, eles treinaram o domínio desse recurso, que poderia ser usado posteriormente em uma cirurgia real.

Atividades de treinamento realizadas em caixa-preta. Crédito: Sages. Fundamentals of laparoscopic surgery

Já o simulador é uma plataforma “computadorizada, virtual”. Os benefícios são, por exemplo, o fato das técnicas disponibilizadas poderem ser mais rapidamente atualizadas quando existem novidades nas estratégias de aprendizado. Segundo Hugo, “o simulador é mais caro, mas proporciona maior facilidade quanto ao deslocamento. O aluno pode usar, aqui no Brasil, um programa projetado em outro continente. Com a caixa-preta, materiais deveriam ser efetivamente carregados até aqui para isso”.

Outra questão relacionada é a de que o estudante pode praticar em qualquer lugar onde ele conte com aparelho que tenha suporte para o software. Existe um grande leque de modelos de simulador, entre eles, alguns que podem ser usados diretamente por meio de um tablet.

No simulador, ainda, é possível acessar vários tipos de treinamento, mudando apenas a modalidade virtualmente, enquanto na caixa seria necessário ter as peças e posicioná-las a cada nova técnica. Por outro lado, a manipulação de materiais, própria da caixa-preta, faz a capacidade vinculada ao tato ser melhor desenvolvida. “Nesse método, o aluno fisicamente aperta, gira os objetos, então treina a sensibilidade das mãos, diferentemente do simulador, que se assemelha mais a um videogame”.

Treinamento modelo completo de simulador de realidade virtual. Crédito: Everson Luiz de Almeida Artifon, orientador de Hugo Gonçalo Guedes

Motivação e benefícios

De forma geral, quem pode ser mais atingido pelo estudo são os estudantes e professores da área médica, mais especificamente cirúrgica. O benefício, porém, pode se estender a mais pessoas, como às que serão pacientes desses estudantes. Se aplicadas, as práticas verificadas no estudo de Guedes podem reduzir o risco de falhas médicas em cirurgias realizadas por residentes, por exemplo.

Na residência em cirurgia pela USP, existe uma ordem dos  procedimentos na aprendizagem das técnicas cirúrgicas. Caixa-preta e simulador fariam parte da primeira etapa, e depois viria o treinamento em animais, seguido pelo em cadáveres. “É depois de todas essas etapas que nós operamos alguém. Mas, em alguns momentos, esse processo acaba não acontecendo de forma tão gradual, de modo que a gente acaba sendo colocado para aprender já em ambiente cirúrgico”, relata o médico.

Alunos treinam os procedimentos estudados por Hugo. Crédito: Faculdade de Medicina da USP

Ele continua: “É isso que não queremos mais que aconteça, porque provamos que existem formas muito simples e baratas de treinar antes de ir para a cirurgia direto”. Hugo fala também sobre outras etapas do aprendizado que esbarram em questões éticas. ”Hoje não conseguimos ainda nos desfazer do treinamento em animais, em cadáveres e no campo cirúrgico. O que conseguimos é minimizar as lacunas de aprendizado e chegar mais capacitados a essas plataformas de treinamento, para que a gente, eticamente, cause o menor dano possível com o nosso aprendizado”.

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