O leite materno é essencial na alimentação de recém-nascidos. A partir dele, são fornecidas substâncias biologicamente ativas que, por sua vez, garantem proteção contra infecções e alergias, auxiliam no processo gastrointestinal e favorecem os desenvolvimentos emocional, cognitivo e neural. Os Bancos de Leite Humano (BLHs), nesse contexto, surgem como uma alternativa confiável para mães que não podem ou não conseguem amamentar seus filhos. Alguns ajustes, porém, ainda são pendentes no processo de pasteurização do leite para que suas propriedades nutricionais sejam preservadas. Foi para este fim que a pesquisadora Juliana Leite desenvolveu sua tese de doutorado — “Impacto do processo térmico assistido por micro-ondas sobre a funcionalidade do leite humano” — realizada através do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da USP.
Lipídios, minerais, vitaminas e proteínas são alguns dos principais componentes do leite humano. Devido a essa riqueza em nutrientes, o leite apresenta-se como um ambiente ideal para a proliferação de micro-organismos patogênicos, que podem se originar tanto a partir das condições de armazenamento do produto, quanto da própria saúde e higiene da lactante que o doou. Nesse sentido, devem ser utilizados métodos de tratamento térmico para eliminar esses patógenos e garantir a segurança no consumo do alimento.
A pasteurização lenta, também conhecida como Holder, foi o primeiro tratamento térmico empregado pelos BLHs em todo mundo e, atualmente, ainda é utilizado no Brasil — ele consiste, basicamente, no aquecimento gradual do leite, seguido pelo seu resfriamento súbito. Sobre esse contexto, contudo, Juliana argumenta: “Apesar de eficiente na inativação de micro-organismos patogênicos, [o Holder] acarreta na degradação de alguns componentes nutricionais importantes, tais como as proteínas, que contribuem para o crescimento e desenvolvimento da criança.”
Tendo isso em vista, Juliana propõe um aquecimento realizado através de micro-ondas, na condição ótima de 60°C por 30 segundos, para substituir a pasteurização convencional, realizada a 62,5°C por 30 minutos. Esse equipamento, embora ainda seja pouco utilizado pela indústria, vem se tornando cada vez mais popular devido a sua rapidez para aquecer e descongelar alimentos.
Entre ganhos e perdas
O tratamento por micro-ondas, em relação à inativação de patógenos e à preservação de ácidos graxos em leite humano, é semelhante aos tratamentos tradicionais. Sua vantagem, porém, está nas menores perdas de outros compostos bioativos importantes, como as imunoglobulinas, e na maior retenção de vitaminas: “Com o aquecimento por micro-ondas, tem-se uma melhor distribuição do calor no alimento e ausência de superfícies quentes em contato direto com o produto, evitando assim o superaquecimento, que é prevalecente na pasteurização convencional”, explica Juliana.
Estudos adicionais, contudo, ainda devem ser feitos para validar os benefícios dessa tecnologia. Notou-se, por exemplo, que os perfis de minerais sofrem maiores perdas mediante o método proposto — isso, no entanto, não indica que há necessariamente uma perda de minerais. Juliana supõe que, ao invés de se apresentarem em forma livre, os minerais passam a se associar a outras substâncias, tendo suas propriedades alteradas. Faz-se necessário, então, avaliar como essas novas ligações afetam o processo de absorção desses nutrientes por recém-nascidos.
Ainda nesse contexto, Juliana identifica como um “segundo passo” a construção de um protótipo que permita o aquecimento por micro-ondas com resfriamento rápido, de modo que vários frascos de leite materno possam ser processados de uma só vez, atendendo às necessidades dos BLHs. Ela também indica a realização de testes in vivo para comparar os efeitos produzidos pelos dois tipos de tratamento térmico no organismo humano.
Segundo Juliana, adotar o aquecimento por micro-ondas seria uma alternativa viável para as BLHs, uma vez que há redução no tempo de processamento do leite e, portanto, nos custos energéticos das unidades. “Esse método de aquecimento ainda não foi adotado por nenhum BLH. A Rede Brasileira de Bancos de Leite (rBLH) é referência na transferência de tecnologia de BLH para outros países e seria muito bom que também fosse reconhecida por desenvolver e exportar esse tipo de equipamento.”
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