Algumas doenças afetam gerações de uma mesma família. Pode ser que avô e neto compartilhem diabetes ou primos e tias, problemas no coração. Essas doenças crônicas são populares na sociedade atual, seja por uma padronização do estilo de vida ou genética. Porém, em 2030, a doença será outra. A projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que, em 12 anos, o número de depressivos seja superior aos atuais um bilhão de hipertensos no globo. O distúrbio psicológico gera um quadro sintomático tão aflitivo quando uma enfermidade física. A psicóloga e doutoranda Adriana Munhoz Carneiro está finalizando a tese Trajetória longitudinal da depressão: análise de pensamentos disfuncionais e comportamentos evitativos, onde avalia o funcionamento de um dos sintomas da doença.
A síndrome depressiva representa um leque de doenças psicológicas que fazem parte do quadro clínico da depressão. O coordenador do Grupo de Doenças Afetivas (Gruda) do Instituto de Psiquiatria, Ricardo Alberto Moreno, explica “que estamos falando de várias doenças dentro do guarda-chuva chamado depressão”. A apresentação de seguidos sintomas caracterizam uma síndrome. As formas clínicas subsequentes conhecidas giram em torno de oito e dez tipos distintos do transtorno. Essas diferentes apresentações da depressão podem variar em repetição ao longo da vida, intensidade, grau dos sintomas no momento, resposta ao tratamento entre outros fatores.
A psiquiatria moderna ainda não sabe ao certo de onde vêm a doença. “O grande desafio é entender o que acontece, dentro do organismo, para que todos esses mecanismos cerebrais que temos falhem e quanto o entorno contribui para que o indivíduo entre em depressão”, continua o psiquiatra. Existe uma base biológica que tenta explicar o transtorno, ao mesmo tempo que existem pacientes depressivos sem motivo aparente. Todas as pessoas passam por estresses cotidianos e conseguem controlar o impacto dele na vida, mas, em alguns, a habilidade falha e gera a doença.
Negativismo sintomático
Cada um tem uma percepção pessoal de um mesmo acontecimento. Esses entendimentos particulares geram diferentes interpretações, que podem ser pensamentos positivos, negativos e os realistas. Fazer parte do grupo otimista não é sinônimo de saúde, pois espera-se que a assimilação seja realista, não ilusória. Os pacientes de depressão possuem distorções nessa percepção, tornando os pensamentos negativos em verdades absolutas. Pessoas depressivas veem a si mesmos e ao mundo de forma pior do que realmente é.
Essa deformação do pensamento é apenas uma das formas de ação da doença. Sintomas como perda de energia, dificuldade para dormir, tristeza constante, culpa, compõe o comportamento depressivo.
Terapia cognitivo-comportamental
A Terapia cognitivo-comportamental (TCC) trabalha a modificação dos pensamentos e comportamentos dos pacientes, para melhorar sua qualidade de vida. A técnica pode ser usada com qualquer tipo de pessoa, seja paciente de um transtorno psiquiátrico ou não.
O método terapêutico pode se adaptar ao tipo de doença psiquiátrica que o paciente apresenta e dessa forma, sua duração, as tarefas dadas e periodicidade se encaixam com a necessidade requeridas. Essa maleabilidade torna a TCC mais eficiente.
Ao se tratar de depressão, a técnica consegue trabalhar nas duas frentes sintomáticas principais: comportamento e pensamento. A TCC consegue refazer a forma desse paciente depressivo pensar em relação a si e ao mundo. No consultório, o psicólogo intervém em suas percepções negativas, ensinando-os a questionar essas ‘verdades’. “Quando vem o pensamento negativo, dá a ele outras alternativas que não apenas esse pensamento pessimista”, explica Moreno.
Além de interferir no pensamento, o método é mais abrangente, conta Adriana. “Entendemos que, quando o paciente tem agravos psiquiátricos, acaba sofrendo rupturas graves. Tentamos refazer a qualidade de vida por meio de modificação de comportamento, rotina e hábitos de sono. E fazer uma funcionalidade nele também”.
Escala de Avaliação
A psicóloga trilhou uma carreira planejada, desenvolvendo uma ideia no mestrado e a aplicando no doutorado. Ao longo dos sete anos dedicados ao estudo da depressão, Adriana publicou um novo método de avaliação do pensamento depressivo. “Desenvolvi no mestrado uma escala de pensamentos depressivos para começar a entender como funciona a depressão”, explica. Para criar a escala, a pesquisadora comparou as percepções de deprimidos (com diferentes graus da doença) e grupos não clínicos, onde corrobora o pensamento distorcido.
A Escala de Avaliação de Pensamentos Depressivos retira da literatura as principais reflexões que permeiam a mente de um doente: crença de incapacidade, sentimento de auto recriminação, de inutilidade, culpa, baixa estima entre sujeito e mundo e outros. Quanto maior a pontuação do depressivo, maiores os pensamentos disfuncionais.
A escala foi aprovada e publicada pelo Conselho Federal de Psicologia e, desta forma, complementa um leque de avaliações para a depressão. “Cada uma avalia setores diferentes da doença depressão, então elas são complementares. Até porque a depressão é uma doença multifatorial”, diz a pesquisadora. Para a tese de doutorado, Adriana testou a eficiência da sua escala em grupos clínicos depressivos.
Funcionalidade farmacológica
Pacientes diagnosticados somente com Episódio Depressivo Maior Grave formaram o grupo avaliado pela tese. Possuir mais um de transtorno psiquiátrico, como bipolaridade, ou que não fizesse parte da síndrome depressiva, foi um critério de exclusão. Também, os com depressão devido ao uso de drogas e associados à doenças, como depressão por conta de um câncer, foram descartados. O objetivo do estudo era avaliar amostras puras, a partir dos seus “comportamentos específicos de pacientes específicos”, sem ter outras doenças interferindo. O doutorado desejava descobrir se os pensamentos distorcidos são sintomas da depressão que poderiam ser resolvidos exclusivamente com medicação ou se a psicologia deve intervir com técnicas psicoterápicas. Buscava também mapear quais os pensamentos recorrentes em pessoas deprimidas, como eles evoluem com o tratamento, e se o grau de intensidade do quadro depressivo é proporcional à distorção.
No começo, a amostra possuía 129 pacientes e, ao longo dos seis meses em que foram observados para análise, restaram 23. “Nem todos conseguem ir sempre, outros melhoram e não voltam. Em estudos longitudinais é normal ter perda amostral”, complementa.
Esses pacientes depressivos recebiam exatamente as mesmas doses de antidepressivo, para padronizar o tratamento. Nesse período, eles tinham que fazer visitas frequentes para passar por avaliações de pensamento através das escalas.
“O resultado preliminar foi que ao longo do tratamento o paciente diminui muito os sintomas depressivos, e os remédio em si são suficientes para diminuir e muito a distorção dos pacientes, mas não é suficiente. Então ainda fica um resquício de distorção que a medicação não é capaz de diminuir”, avalia a pesquisadora na fase final da tese, que será defendida em fevereiro de 2019.
A Terapia cognitivo-comportamental é uma das hipóteses de complemento para o tratamento dos pensamentos disruptivos. O psiquiatra discorre sobre como em uma doença tão complexa é necessário unir esforços da psicologia e da psiquiatria para tratar dos depressivos. “Psicologia e psiquiatria tem, cada um, seus papéis fundamentais. Os tratamentos psicológico e medicamentoso constituem os métodos usados no planejamento terapêutico para cada tipo de paciente. É um trabalho que deve ser conjunto pois são disciplinas complementares”.
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