Em julho de 2018, os professores do Instituto de Geociências Paulo César Boggiani e Alexandra Suhogusoff coordenaram a participação no Projeto Pantanal de um grupo de graduandos das Geociências, Turismo e Engenharia Civil, da Universidade de São Paulo.
Mariana Oliveira Barbosa, Maria Rogieri Pelissari, Daisy Pinato, Guilherme Antônio Pereira Pinto, Luana Matsumoto, Gabriel Vanderlinde Damasio, Glaucia Barreto e João Mariante Santana desenvolveram diversas oficinas relacionadas a meio ambiente, educação ambiental, saneamento, empreendedorismo e reciclagem.
Projeto Rondon levava estudantes universitários, principalmente da área da saúde, para trabalhar em missões com trabalhos de levantamento, pesquisa e assistência médica. A primeira operação ocorreu em 1967, no estado de Rondônia e, em 1968, foi criado um Grupo de Trabalho dentro do Ministério dos Interiores para efetivar e conduzir a iniciativa que funcionou até 1989.
O professor Boggiani lembra a importância dada ao projeto na época em que era aluno. “O Rondon era uma marca e tinha uma relação muito forte com o trabalho na Amazônia. Quando entrei na USP, existia até um escritório voltado para o projeto e tinha uma tradição. Mesmo com seu fim, o projeto continuou com o nome forte”.
Na versão anterior, o projeto era mais voltado para prestação de serviços. Hoje, trabalha muito a questão de ações multiplicadoras, com objetivo de desenvolver atividades que deixam legado para comunidade do entorno, como aponta João Mariante, aluno da licenciatura em Geociências e educação ambiental.
São duas semanas de atividades, mas antes, as 12 universidades participantes se encontram na cidade sede. O grupo explicou que a convivência com as outras instituições de ensino só ocorre no primeiro e no último dia do projeto, quando todas estão reunidas antes e depois de voltarem das cidades. Essa interação ocorreu em Campo Grande, cidade sede da Operação Pantanal, com palestras e atividades voltadas para o trabalho dos militares das Forças Armadas. “Seria mais interessante se interagíssemos mais com as universidades e cultura locais e menos marketing das forças armadas, que é o que ocorre”, aponta Boggiani.
Do projeto às oficinas
Em julho de 2017, as alunas Mariana Oliveira Barbosa e Maria Rogieri Pelissari, juntamente com outros estudantes, submeteram o projeto que foi aprovado. Depois disso, começaram o planejamento e adaptação necessários. A princípio, não se sabe a cidade onde será aplicado. “Muitas das atividades que planejamos são adaptadas para a realidade da cidade, como a disponibilidade de materiais, recursos e necessidades locais. A gente se organiza, mas algumas coisas mudam e isso também é enriquecedor”, explica Daisy Pinato, estudante de licenciatura em geociências e educação ambiental.
Em abril, o professor Boggiani realizou a semana precursora, que consiste na visita da cidade para fazer levantamento, mapeamento e ver as atividades possíveis. A etapa possibilita, por exemplo, ter uma noção de quais atividades melhor se encaixam e programar os materiais necessários para elas e como consegui-los.
A professora Alexandra, também coordenadora do projeto, explicou que, além deste planejamento, há também muita conversa institucional. “Há toda uma preparação aqui, para coleta de material e pensar no público-alvo para cada atividade, por exemplo. Nossas ações foram divididas em três frentes: na cidade, algumas oficinas na aldeia indígena e atividades específicas para a área rural, que não tem a questão sanitária desenvolvida”.
As frentes de atividades foram divididas em quatro grandes áreas: comunicação, meio ambiente, trabalho e tecnologias e produção. Elas contaram, por exemplo, com minicursos sobre o aquífero Guarani, geodiversidade, geoturismo e sustentabilidade; gincanas educativas, exibição de filmes, oficinas sobre resgate da cultura indígena, fabricação de sabão com banha, por exemplo.
Durante duas semanas, os alunos aplicaram o projeto na cidade de Rochedo, em Mato Grosso do Sul. O projeto tem duas operações, uma de verão e a de inverno, fazendo intervenções nos municípios do estado selecionado. O trabalho na cidade foi na operação de inverno, trabalhando em conjunto com a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que realizou as ações na área de saúde.
Guilherme Pereira, aluno da engenharia civil, contou que o grupo ficou surpreso como o Projeto Rondon é visto pelas universidades particulares. “Não tínhamos noção de como essas universidades trabalham e têm muito interesse em participar do programa. Existem até professores que coordenam e fazem um projeto contínuo, sempre participando das operações”. No caso específico da USP, são os alunos que fazem o projeto e o submetem, como ocorreu em 2017.
Das atividades realizadas, a equipe destacou a construção de uma fossa na área rural. “Eles tinham uma demanda muito grande por essa questão do saneamento. A prefeitura de Rochedo comprou o material e construímos uma fossa para deixar de exemplo. Inclusive é possível utilizar o efluente da fossa como fertilizante”, comenta Boggiani.
“Quisemos dar uma alternativa mais ecológica do que a fossa negra e trabalhar soluções mais sustentáveis, inclusive com o aproveitamento para fertilização do solo, por se tratar de agricultores na área rural do município”, explica Alexandra, que coordenou a atividade executada pelos estudantes Guilherme Pereira e Gabriel Damásio.
Outro ponto importante foi trabalhar a questão do aquífero Guarani. Apesar da cidade estar situada sobre o aquífero, eles não tinham conhecimento sobre a existência e a importância dessa grande reserva de água subterrânea. Foram ofertadas oficinas sobre ciclo das águas, das rochas e o Aquífero Guarani, assim como dos ciclos da água e conscientização ambiental.
Entre as atividades multiplicadoras, o Projeto Rondon tem objetivo de fazer atividades que deem alternativas geradoras de renda para a comunidade local. O grupo destacou as atividades desenvolvidas na aldeia indígena, que surpreendeu para além do objetivo proposto, com resgate das histórias deles. Foram também desenvolvidas oficinas de nutrição e alimentação integral, confecção de sabão a partir do reuso do óleo de cozinha e oficina de resgate cultural. Nesta última, construiu um painel sobre o Povo Terena a partir das histórias relatadas pelos moradores.
Para Boggiani, a diversidade de alunos participantes, de graduações diferentes, contribuiu ainda mais para a construção e desenvolvimento do projeto de uma maneira tão plural. “A grande lição foi a integração e diversidade entre os cursos. O que percebemos com o projeto é que o universitário tem interesse nesse tipo de trabalho”.
Os alunos sentiram que os participantes estavam abertos ao conhecimento e às propostas dadas na oficina, principalmente na área rural. Daisy reforçou a necessidade da síntese e uma reunião entre os participantes tanto do meio rural quanto da área urbana, para ter um retorno e troca de conhecimentos entre as atividades diversas.
Falta de continuidade como principal desafio
Como dificuldades, o professor apontou o número reduzido de vagas. João destaca que, mesmo que o atual foco seja multiplicador, a falta de continuidade do trabalho é algo negativo. São duas semanas para aplicar as atividades e as oficinas, mas não se sabe o retorno e o impacto que as atividades terão. “Nossa sensação é que o legado poderia ser maior”, pontua João Marianti.
Outra crítica que o grupo levantou foi quanto a integração das universidades desenvolvidas, que deveria ser feita com maior antecedência. Os grupos só se conhecem pouco tempo antes da ação, o que faz com que percam tempo nos primeiros dias da operação. Guilherme pontua que, se esse trabalho e comunicação entre as instituições acontecessem antes, haveria maior aproveitamento das atividades desenvolvidas. A integração USP-UFOP foi muito positiva, mas poderia ter sido melhor se organização do Projeto Rondon se atentasse a esse ponto.
“Quando conseguimos juntar uma oficina em comum, com a confecção de horta na escola, foi muito interessante. Nela, trouxemos as habilidades que gostaríamos de trabalhar e os alunos de medicina ensinaram sobre ervas medicinais. Se essa integração fosse feita antes, poderíamos ter feito mais atividades em comum”, pontua Daisy. Guilherme aponta ainda que, como não se junta antes, as duas equipes perdem muito tempo montando o calendário e compatibilizando as agendas.
Boggiani critica que, mesmo com a mudança do enfoque do programa em relação ao que tinha quando foi criado, o problema relacionado a falta de continuidade é um ponto negativo nos dois moldes. O estado e as cidades são escolhidos para participarem do projeto, as universidades fazem o trabalho por duas semanas, mas depois não voltam para saber os resultados dessas ações.
Outra dificuldade apontada pelo grupo foi a formação da própria equipe dentro da USP. Boggiani sentiu que precisa formar uma unidade maior para próximas edições. Depois que retornaram da expedição, o grupo apresentou o projeto no Café Geológico. Mesmo com alunos interessados, não formou grupo suficiente para enviar o projeto e participar das edições de 2019. Em outras universidades, principalmente particulares, essa organização parte dos próprios professores.
Parabéns pela reportagem! Só tenho uma sugestão de correção: UFOP é na verdade a Universidade Federal de Ouro Preto 😉