Pesquisa mostra que características relacionadas à organização e perseverança aumentam as chances de sucesso no tratamento de HIV

Fatores como gênero e nível educacional não interferiram na adesão ao tratamento do vírus da aids

No Brasil, mais de 800 mil pessoas convivem com o HIV/aids. Foto: Reprodução/Observatório G.

Pacientes com boa capacidade de organização, perseverança e empenho são os que mais aderem ao tratamento contra o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana). Um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (FM) da USP procurou avaliar características de personalidade comuns a jovens de 18 a 32 anos que poderiam interferir no tratamento antirretroviral. Os resultados mostram que estes fatores tiveram mais influência na adesão à medicação do que aspectos sociodemográficos, como nível educacional, gênero e idade.

Idealizada como projeto de doutorado da psicóloga Lívia Bueno Costa, a pesquisa acompanhou um grupo com 61 pacientes em dois centros de referência no tratamento ao HIV. A pesquisadora explica que o estudo surgiu a partir da constatação de que, muitas vezes, indivíduos com conhecimento sobre a doença e acesso ao tratamento não apresentavam bons níveis de adesão. “Percebemos que os nossos pacientes tinham acesso à informação e à medicação, mas nossas taxas de adesão não estavam adequadas”.

Segundo dados do Boletim Epidemiológico Brasileiro HIV/Aids de 2016, atualmente mais de 800 mil pessoas convivem com a doença no Brasil. A maior concentração se dá entre homens e mulheres de 25 a 39 anos. Mas entre 2006 e 2015, o número de contaminações entre jovens de 15 a 24 anos aumentou significativamente. O estudo desenvolvido por Lívia abordou as taxas de adesão ao tratamento justamente entre o público mais jovem (18 a 32 anos) que vem se infectando mais.

A pesquisadora explica que o tratamento de cada portador é fundamental porque ele irá reverberar no coletivo. “Pensando no macro, se você tem HIV e mantém o tratamento correto e sua carga viral indetectável, as chances de passar o vírus adiante é super reduzida”. E prossegue: “Então, em termos de saúde pública, manter as taxas virais indetectáveis lá na frente pode reduzir o número de contaminados”.

Durante o experimento, os portadores do vírus responderam a dois principais questionários: um acerca da adesão ao tratamento antirretroviral e outro intitulado bateria fatorial de personalidade, que avalia aspectos como instabilidade emocional, socialização e introversão. As respostas ajudaram a diferenciar os grupos de indivíduos que seguiam o tratamento estritamente dos que tinham um aproveitamento satisfatório e dos que demonstram baixa ou nenhuma adesão.

Os resultados comprovam não haver correlação entre dados sociodemográficos com o engajamento ao tratamento, e nem mesmo fatores como nível educacional e gênero se fizeram relevantes na decisão. Porém, o dado que mais surpreendeu veio justamente através da bateria de personalidade: pessoas psicologicamente mais vulneráveis apresentavam os melhores índices de adesão à terapia antirretroviral.

Segundo a pesquisadora, pode-se pensar que pacientes psicologicamente fragilizados oferecem menos resistência em procurar ajuda. “A pessoa que se sente vulnerável mobiliza outros recursos psíquicos para seguir no tratamento. Por isso, talvez nossos resultados demonstraram que os pacientes mais emocionalmente vulneráveis também eram aqueles que apresentavam adesão adequada”, explica.

Embora as observações sejam baseadas em sua prática clínica, Lívia avalia que “as pessoas que não percebem sua vulnerabilidade têm mais dificuldade em se colocar na posição de quem precisa de ajuda, inclusive medicamentosa”.

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