Aplicativo do Centro de Sismologia ajuda no monitoramento e na divulgação dos tremores no Brasil

Mapa da sismicidade no Brasil. Créditos: Centro de Sismologia da USP

Que nossa terra tem palmeiras onde cantam sabiás e que nosso céu tem mais estrelas, Gonçalves Dias já declamava na sua Canção do Exílio, em 1847. Mas o que nem ele nem a maioria dos brasileiros sabe é que o Brasil também tem tremores de terra e não estamos falando de arquibancadas cheias de torcedores vibrando ou de dançarinos sacudindo o sambódromo, mas, sim, de abalos sísmicos.

É muito comum ensinarem nas escolas que os terremotos só acontecem nas bordas das placas tectônicas e, como o Brasil fica no centro da Placa Sul— Americana, estaríamos livres desse desastre natural. É verdade que o que acontece aqui não é como na Itália, no Chile ou no Japão. Mas assim como nossos corações em época de eleição, a nossa terra também treme.

Jackson Calhau, especialista em engenharia de redes de transmissão que trabalha no Centro de Sismologia da USP, explica como o fenômeno ocorre: “A Placa de Nazca e a Placa Africana estão comprimindo a Placa Sul Americana, no centro da qual está o Brasil. Quando você tem essas duas forças, uma vinda de cada lado, além das pequenas fraturas da placa, essa pressão que você está exercendo nessas duas bordas acaba sendo liberada”. Os tremores desse tipo são chamados de intraplaca e são maioria no País.

A medição desses fenômenos é feita utilizando os conceitos de magnitude e intensidade. “Magnitude trabalha com a energia liberada e a intensidade é como alguém sentiu o tremor. A intensidade tem parâmetros como ‘caiu um livro da minha prateleira’, e a magnitude utiliza a escala Richter”, explica Jackson.

Tabela com as escalas usadas em Sismologia. Créditos: Júlia Mayumi

Dois fatores que podem influenciar na classificação de um terremoto são a profundidade do hipocentro, que é a profundidade em que o tremor acontece, e onde a pessoa está —  por exemplo, pessoas em prédios altos têm mais chance de sentir o tremor.

O monitoramento dos abalos sísmicos brasileiros é feito por uma rede sismográfica. São 85 estações espalhadas pelo país e gerenciadas por quatro instituições: Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Observatório Nacional do Rio de Janeiro. Na USP, o processamento acontece no Centro de Sismologia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG). “Essas estações mandam dados em tempo real; o sistema detecta automaticamente um tremor e, depois disso, um analista faz o ajuste fino”, pontua Jackson.

Os sismógrafos da rede, no entanto, não fornecem informações suficientes para um mapeamento mais detalhado; por isso, o Centro de Sismologia do IAG criou, há três anos, o aplicativo Sentiu Aí. A plataforma recolhe relatos por todo o país e os utiliza para medir a intensidade dos tremores. Antes, esse registro era feito in loco, ou seja, os técnicos precisavam ir até o local do terremoto e entrevistar os moradores. “Há várias perguntas no aplicativo para refinar o relato e descobrir a intensidade, e dependendo desse resultado, podemos confirmar que nossa magnitude e nosso epicentro está certo. O questionário nos ajuda a fazer uma localização mais precisa dos eventos”.  

Jackson aponta a importância da divulgação do aplicativo, para aumentar o número de relatos. “Quando você recebe vários relatos de um mesmo lugar, é porque realmente aconteceu alguma coisa. Às vezes recebemos só um relato, foi um caminhão que passou perto e a pessoa acha que foi um tremor de terra”. Até hoje, já foram captados 1.432 relatos pelo aplicativo.

O monitoramento dos sismos é fundamental para o planejamento de um país. A construção de barragens, túneis para transporte metroviário e usinas nucleares, por exemplo, precisa levar em conta a sismicidade do local, para que um eventual tremor não cause problemas. Não é possível prever terremotos, mas a partir dos registros históricos, os especialistas podem indicar as áreas mais suscetíveis —  o chamado “risco sísmico” — , para que as devidas precauções sejam tomadas. O governo brasileiro não tem nenhum planejamento para casos de terremotos e não há muito investimento em sismologia no país, de maneira geral. Isso preocupa os sismólogos, pois caso algum grande tremor aconteça, não haverá contingência. “Enquanto não acontecer uma catástrofe, as pessoas e o poder público não se sensibilizarão com a questão sismológica no Brasil. Então a gente tenta palestrar, sensibilizar. Toda vez que acontece um tremor esclarecemos a população o melhor possível”.

Além disso, é fundamental que a população seja informada quando esse tipo de fenômeno acontece. “A pessoa sente algo tremer, um livro cair da prateleira ou uma parede rachar, e ela não sabe o que está acontecendo. Esse feedback para população é muito importante, inclusive para evitar pânico”, acredita o especialista.

Onde treme mais?

Mapa da sismicidade no Brasil. Créditos: Centro de Sismologia da USP

O mapa da sismicidade do Brasil mostra muitos tremores no litoral do país. Jackson explica que isso não necessariamente significa que a região é mais suscetível. É importante considerar que, por ser historicamente mais desenvolvida, há mais registros.

“Para registrar um tremor, precisamos de um sensor, que pode ser um equipamento, uma estação ou uma pessoa. Mas em vários lugares há pouco acesso à internet, a população é muito espalhada e não tínhamos sensores, o que dificultava a identificação dos acontecimentos. Depois que instalamos uma rede com cinco estações na Amazônia, começamos a detectar vários tremores. Estamos descobrindo sismicidade em regiões que nem sabíamos que tremia por causa dos relatos e das estações que foram instaladas”, conta Jackson.

Sismologia no mundo

Jackson lembra o tremor sentido em São Vicente (SP), em 2008. Na ocasião, ainda não havia transmissão em tempo real. Então, os especialistas precisavam ir às estações coletar os dados e levá-los até a USP para análise. À época, o Centro de Sismologia explicou que demoraria em torno de um mês para dar uma resposta à imprensa. Dez minutos depois do ocorrido, o serviço sismológico americano publicou um relatório detalhado sobre o caso. “Os americanos tinham mais controle da nossa sismicidade do que a gente, que estava aqui do lado”.

De lá pra cá, foram feitos muitos avanços nos estudos da área, inclusive com reconhecimento internacional. Trinta e uma instituições internacionais estão conectadas ao servidor do Centro de Sismologia do IAG, que mantém os dados da rede abertos a fim de colaborar com a produção científica mundial.

O Sentiu Aí foi desenvolvido para ajudar na coleta de informações a respeito dos tremores de terra que acontecem no Brasil, e está disponível para Android e iOS. O cálculo da intensidade desses abalos sísmicos é feito, em grande parte, por meio dos relatos captados pelo aplicativo, e os estudos da área visam a prevenção e a informação dos brasileiros a respeito do que acontece debaixo de nossos pés. Para Jackson, a divulgação é fundamental para que esses objetivos sejam atingidos: “Quanto mais gente sabendo que o Brasil tem terremoto, mais coisas conseguimos fazer a respeito”.

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