Vestígios do passado, como partes de materiais, são primordiais no estudo dos povos que habitavam a Terra antes de nós. Neste sentido, Patricia Magon — doutoranda do Instituto de Geociências da USP (IGc) — está estudando em sua tese fragmentos de cerâmicas dos povos que habitaram o sul do Rio Grande do Sul e o Uruguai.
Estima-se que esses povos pampeanos, os charruas e os minuanos, tenham vivido na área entre 5 mil e 200 anos atrás. Tinham o costume de morar em cima de morros de terra — os cerritos, como são chamados os montículos especificamente localizados no RS — de 20 a 40 metros de raio. Como a região é alagadiça, os povos aumentavam constantemente a altura dos morros para assim poderem habitá-los permanentemente sem fugir da água. Já foram localizados mais de 3 mil cerritos na área, com alturas entre um e seis metros.
Os cerritos são terrenos extremamente férteis para pesquisa, pois possuem inúmeros indicadores da vida e dos costumes dos seus ocupantes. Junto com estudiosos da área de arqueologia e história, Patricia desenvolve um projeto para aprender melhor sobre os charruas e os minuanos, começando com seus fragmentos de cerâmica encontrados nos cerritos. O papel da doutoranda é extremamente técnico: ela irá analisar as amostras para definir os materiais que as compõem e também as suas temperaturas de queima. As peças analisadas são, principalmente, partes do que antes eram panelas, jarras e ânforas. “Atualmente estou na parte de medição. Depois disso, farei uma descrição dos materiais usados, o tipo de argila e de areia que eles usaram e em qual proporção, e também separarei os fragmentos que são de panelas e de jarros, para ver se existe uma diferença tecnológica”, explica. Este detalhamento é importante, já que os dados serão passados para um arqueólogo e o ajudarão a montar esquemas mais concretos da vida desses nativos.
Os estudos foram motivados, principalmente, pela percepção contrária a ideia errônea de que os charruas e os minuanos eram menos evoluídos. Pesquisas mais antigas já haviam categorizado os tipos de utensílios que eles produziam, porém, pela falta de ornamentação e enfeites, elas apontaram a falta de complexidade dos povos. Como comparação, analisaram o povo guarani, famoso pelos inúmeros desenhos e cores que faziam em sua cerâmica. “Os charruas e os minuano são extremamente simples e minimalistas. Uma panela era só uma panela. E isso fez por muito tempo que os pesquisadores achassem que esses povos fossem menos complexos e que os guarani fossem extremamente desenvolvidos”, afirma Magon. “Então, é mais ou menos isso que estou debatendo. São simples? São. Mas existe um pensamento muito específico de quais materiais usar. Eles sabiam onde achar as argilas boas. Eles estavam pensando muito bem na peça, apesar de não ornamentá-las tanto quanto os guaranis”.
Por esse motivo que a definição do material específico é tão importante para o projeto de Patricia. É a partir dela que a pesquisadora saberá de onde os povos pampeanos tiraram o seu material e também entender a lógica por trás de sua produção. “Isso vai me ajudar a mostrar o quanto eles eram cuidadosos na escolha dos materiais, mesmo há 2 mil anos atrás. Achar essa argila específica no entorno significa que eles tinham um olhar que é, de certa forma, geológico”, adiciona.
Patricia é uma das primeiras pesquisadoras a realmente ir a fundo na caracterização das cerâmicas desses povos. Recorda de ter visto apenas um trabalho sobre o tema, com ainda menos análises do que ela pretende fazer. Além disso, os estudos de artefatos cerâmicos, chamado de “arqueometria”, é uma área muito recente, ainda pouco conhecida no mundo da geociências. “A arqueometria aplica as ‘hard sciences’ na arqueologia, que na verdade é um ramo na História. É muito interdisciplinar. Também é muito novo isso que estou fazendo e acho que vou ser umas das primeiras pessoas a descobrir quais argilas foram usadas e onde elas foram captadas”, complementa.
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