Luz promove magnetização de material quase instantaneamente

Equipamento utilizado para direcionar feixe de luz (Imagem: professor André Bohomoletz Henriques)

A imantação ou magnetização é o termo que se usa para descrever um imã de geladeira e a agulha de uma bússola. Quando submetidos a um campo magnético, os materiais imantados sofrem um torque, ou seja, um momento de força, para orientá-los na direção do campo. Por exemplo, a agulha de uma bússola se orienta na direção norte-sul, que é a direção do campo magnético da Terra. Uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) descobriu uma nova forma ultrarrápida de magnetizar materiais, utilizando apenas a luz. O mecanismo descoberto oferece a vantagem de produzir uma alta imantação numa escala de tempo muito curta, utilizando apenas uma quantidade muito pequena de luz.

A imantação de um imã é igual à soma dos momentos magnéticos (spins) de todos os elétrons que ele contém. Na fase desordenada, estes spins apontam aleatoriamente, e a magnetização inexiste. Na fase ferromagnética, grande parte dos spins aponta na mesma direção, e o material se torna imantado. A descoberta foi realizada submetendo à iluminação um semicondutor, o seleneto de európio (EuSe). O professor responsável pela pesquisa, André Bohomoletz Henriques, explica que o material inicialmente estava desordenado. “Quando submetemos o seleneto de európio a um feixe de luz, ele mudou do estado desordenado para o ordenado, no qual todos os spins dos elétrons de valência dos átomos de európio apontam na mesma direção. A mudança do estado desordenado para o estado ordenado ocorreu num intervalo de tempo igual a algumas dezenas de trilionésimos de segundo, ou seja, quase instantaneamente”, explicou o professor.

O pesquisador conta que outros processos de imantação usando-se a luz já são conhecidos no meio acadêmico, mas têm origem térmica e por isso exigem altíssima intensidade de luz, gerada por lasers de altíssima potência. Em contrapartida, o mecanismo observado pelo professor nada tem a ver com o aquecimento do material pela luz, mas sim, com excitações eletrônicas. Uma partícula de luz, fóton, promove a transição de um elétron desde uma órbita localizada num único átomo para outra órbita que se estende por milhares de átomos. O diferencial da descoberta foi organizar os spins de cerca de seis mil elétrons a partir de um único fóton. A razão desta eficiência é o material escolhido para a pesquisa. “O seleneto de európio tem alta suscetibilidade magnética, isto é, os spins neste material oferecem pouca resistência para se orientarem na mesma direção. Neste cenário, uma pequena perturbação, como o surgimento de um elétron numa órbita grande, é suficiente para promover imantação plena”, explica Henriques.

Ordenação dos spins a partir de um único fóton (Imagem: professor André Bohomoletz Henriques)

“Um dos fatores que deu brilho à descoberta foi ter conseguido medir a escala de tempo em que se dá essa magnetização”, conta o pesquisador. O intervalo de tempo para os spins se orientarem é cerca de 50 picossegundos. É uma escala de tempo extremamente pequena, uma vez que um picossegundo equivale à trilionésima parte de um segundo. “A capacidade tecnológica e instrumental para medir isso só foi possível devido ao apoio que recebemos das agências financiadoras Fapesp e CNPq, assim como da Pró-Reitoria de Pesquisa da USP”, afirma Henriques.

O artigo referente à pesquisa, Ultrafast light switching of ferromagnetism in EuSe, foi publicado na revista americana Physical Review Letters, que é a publicação mais importante na área da Física. Fundada pela Sociedade Americana de Física (APS), a revista é altamente seletiva na seleção de artigos. Sua política editorial é publicar somente aqueles trabalhos que resolvam um problema fundamental ou abram uma nova frente de pesquisa, de amplo interesse da comunidade de físicos de todas as áreas.

Os materiais antiferromagnéticos, categoria na qual o seleneto de európio se encaixa, não têm imantação natural, porque os spins se alinham em sentidos opostos, se anulando. Por esse motivo, até agora eles não foram utilizados, por exemplo, na indústria eletrônica, na qual a magnetização é geralmente utilizada como unidade de memória. No entanto, através de estímulos como o emprego de feixes de luz, é possível realizar o controle do magnetismo e expandir as possibilidades de aplicação dos antiferromagnéticos. A utilização de materiais antiferromagnéticos em dispositivos é um campo emergente muito promissor, conforme um editorial da revista Nature Physics de março deste ano.

“O meu trabalho consiste em compreender o processo e desenvolver modelos que o descrevem. É um pré-requisito para as aplicações tecnológicas”, comenta Henriques. Nas palavras do pesquisador: “Além de favorecer o avanço do conhecimento, a pesquisa de fronteira contribui para formação de pessoas, e tem reflexos na qualidade do ensino da Física, que adquire maior vivacidade por se mostrar uma ciência em desenvolvimento, com potencial para gerar novos cenários”.

O grupo Magneto-Óptica possui uma página com mais informações.

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