Buscar entender os mecanismos de eletrificação de tempestades na região amazônica é um dos objetivos principais de um grupo do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciência Atmosféricas (IAG-USP), coordenado pelo professor Carlos Morales, em parceria com mais dois projetos estrangeiros, o Amazon e o Acridicon. A ideia dos pesquisadores é tentar compreender a formação e estrutura das tempestades e verificar se os níveis de poluição e a presença de aerossóis tinham alguma influência em seu desenvolvimento.
Para a meteorologia, são consideradas tempestades severas aquelas que apresentam rajadas de vento acima de 100km/h e pedras de granizo maiores que 10cm. Geralmente, esse tipo de tempestade apresenta uma grande quantidade de raios, mas esse não é considerado um dos fatores determinantes para a severidade das chuvas.
Medições
As observações são realizadas com basicamente dois tipos de instrumentos, além da ferramenta Raios Online, que foi usada como complemento. Um deles é uma espécie de rádio que mede o campo eletromagnético, com o qual é possível saber de onde vem uma onda. Com o auxílio de oito ou nove sensores em diferentes posições, é possível medir de onde vem o azimute, ou seja, a direção geográfica da onda.
Também são utilizados sensores que medem o campo elétrico das tempestades. São placas metálicas que reagem quando alguma carga passa por perto. O professor explica que “quando a tempestade passa em cima das placas, é possível saber qual campo elétrico está sendo gerado.”
Com isso, foi montada uma rede de seis sensores por onde passam as tempestades e matematicamente montam-se equações para saber qual o valor da carga dentro da nuvem que gera um determinado campo elétrico. De forma geral, os observadores analisam os processos físicos associados à transferência de carga nas nuvens.
Com as informações obtidas, busca-se encontrar indicadores que possam mostrar a natureza das nuvens e das tempestades e se elas podem passar de normais a severas, sendo possível compartilhar a metodologia de análise com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e com a Rede Integrada Nacional de Detecção de Descargas Atmosféricas (Rindat) para que sejam feitas as previsões.
Tempestades amazônicas
Atualmente, o projeto já foi encerrado na Amazônia e encontra-se em curso no estado de São Paulo. Com os resultados já obtidos no norte do país, Morales afirma que uma teoria para formação de tempestades severas em uma região, não necessariamente se aplica a todas as outras.
Na Amazônia, o desenvolvimento de chuvas severas está relacionado à presença de dois grandes rios, o Negro e o Solimões, exercendo o que é chamado de circulações de rio. “O Rio Negro é perpendicular ao fluxo de vento que vem da Amazônia, de leste para oeste, e essa circulação acontece de oeste para leste e elas acabam convergindo. Então, cria-se uma região de instabilidade e as tempestades são intensificadas”, afirma o professor.
Durante as observações, também foi possível analisar quando as chuvas eram ou não severas, devido à circulação de brisas fluviais que levam a uma espécie de cisalhamento das correntes de ar.
A formação de nuvens ocorre quando o ar mais quente sobe e se expande, à medida que chega a áreas de menor pressão e atinge 100% de sua umidade. Nesse momento, formam-se gotículas que quando precipitam encontram partículas menores e colidem, podendo se juntar ou se separar. À medida que o ar continua subindo, o que antes era vapor de água, torna-se gelo e podem acontecer colisões entre gelo e gelo ou gelo e água. Durante essas colisões, entretanto, as partículas também podem se juntar ou se separar. E, para a eletrificação, o que é importante é quando há separação. “Quando elas se rebatem, uma sempre fica com um pouco da massa da outra. Uma vai descer e a outra vai subir, então, a nuvem fica com carga positiva e negativa. Quando tem muita carga, o campo elétrico fica bem alto e ela consegue quebrar a resistência do ar”, explica Carlos.
Quando há o fenômeno do cisalhamento, existem diversas correntes de ar na horizontal e em vários níveis de altura. Morales explica que por estar inclinada a corrente de ar que está subindo acaba causando turbulência dentro da nuvem e aumentando o número de colisões.
Segundo o professor, essa é uma das principais diferenças entre as chuvas da região amazônica e da região sudeste. Lá, o cisalhamento das correntes foi causado pelos rios e as tempestades têm água em níveis muito mais altos, o que não ocorre aqui. Os pesquisadores acreditam que o cisalhamento interfere na quantidade de água e gelo das tempestades, o que muda a intensidade de raios.
Recorrência dos raios
Na Amazônia, a incidência de tempestades de caráter severo não é grande. Normalmente são observadas tempestades com 100 a 200 raios por hora. Ao contrário do que pode acontecer em Tocantins, por exemplo. Apesar disso, o professor conta que em Manaus já foram identificados cerca de dois mil raios por hora, mas chuvas desse porte são 0,1% do total.
Um dos objetivos iniciais também era analisar a possível interferência da poluição na formação de chuvas severas. Esse é um fator importante, mas o professor afirma que não tem tanta influência como se acredita. “Miami tem muitos raios, mas só no verão. Em São Paulo, temos de 90 a 100 dias do ano com raios e 60 deles são no verão. Se em Nova York tiver 20 dias com raio é muito. E elas são totalmente poluídas.” Ele complementa dando o exemplo do Lago de Maracaibo, na Venezuela. Lá, são quase 300 dias do ano com noites iluminadas, devido à presença de raios.
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