45% dos funcionários hospitalares brasileiros possui transtorno mental comum

Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública identifica causas de doenças mentais em instituições de saúde

Imagem: Reprodução

O trabalho na área da saúde pode ser muito desgastante. A exposição constante à morte, ao sofrimento e a doenças deterioram a integridade mental desses profissionais. A pesquisadora Luana Fernandes, da Faculdade de Saúde Pública da USP, analisou como esses aspectos, aliados a problemas estruturais no sistema público de saúde brasileiro, podem afetar negativamente os trabalhadores.

“Essa absorção do processo de produção da indústria é uma grande causa. O trabalhador tem que produzir, tem que apresentar resultado e a saúde passa a ser tratada como produto. E tem a gestão totalmente verticalizada, ele não tem acesso à administração do hospital, às coordenações, à diretoria,” diz Fernandes. De acordo com ela, a administração utilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as Organizações Sociais de Saúde (OSS), também prejudicam bastante quem trabalha no setor, já que representam a inserção da iniciativa privada nas instituições. Com o baixo repasse de verbas do governo, os salários são baixos, o que diminui o número de funcionários, sobrecarregando os contratados.

Em sua pesquisa, Fernandes analisa a incidência de humores depressivo e ansioso, sintomas psicossomáticos, decréscimo de energia vital e ideação suicida em um hospital da cidade de Francisco Morato (SP), através de um questionário com um grupo de perguntas para cada tipo de transtorno. Ela aponta nervosismo, tensão, preocupação, tristeza e choro em maior quantidade do que de costume como sintomas depressivos. Já com a ansiedade, ela relaciona a persecutoriedade, os tremores nas mãos, a dificuldade para dormir e para pensar com clareza. Os sintomas psicossomáticos são descritos como manifestações físicas associadas com um estado emocional perturbado. Como decréscimo de energia vital, Fernandes se refere a quando “a pessoa está tão cansada, tão desgastada, que ela vai perdendo o desejo de realizar com satisfação suas tarefas diárias, é incapaz de desempenhar um papel útil na vida”. Quanto à ideação suicida, a pesquisadora aponta uma pergunta em seu questionário: “Tem tido ideias de acabar com a vida?”.

Além disso, ela destaca a grande individualização dos transtornos mentais, colocando a culpa do absenteísmo e da diminuição na produtividade no próprio trabalhador, além de criar segregação e estigma em torno da pessoa nas instituições. Isso é decorrente em parte, de acordo com ela, da procura de soluções rápidas para o problema, como a implementação de palestras motivacionais para os funcionários. Fernandes propõe uma outra abordagem para resolver a situação: “A minha primeira proposta é pegar os departamentos existentes nos institutos, como RH, segurança do trabalho, medicina do trabalho, a Semana Interna de Prevenção de Acidente de Trabalho (SIPAT), a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), e associá-los para fazer propostas de intervenção e cuidado, abrindo espaço de escuta do trabalhador para poder entender o que ele vê como dificuldade no seu processo de trabalho e abrir para uma gestão participativa. E, depois, trazer um profissional de saúde mental para poder intermediar junto a esses departamentos”. Ademais, ela menciona uma possível parceria com o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e programas de graduação e pós-graduação das universidades para oferecer esse atendimento psicológico e psiquiátrico.

Fernandes analisa ainda que essa circunstância se torna ainda mais alarmante por se tratarem de profissionais da área da saúde. “Metade da população está doente, meu resultado foi de 45,10% dessa população doente. Isso é muito alto e estamos falando de pessoas que cuidam de pessoas, então é mais preocupante ainda. Qualquer intercorrência com o adoecimento mental delas pode prejudicar outras pessoas. É o que a gente chama de Prejuízo de Via Dupla. Tanto o usuário quanto o funcionário podem sofrer acidentes por causa desse adoecimento,” explica a pesquisadora.

Além disso, ela aponta diferenças no surgimento dessas doenças entre homens e mulheres. De acordo com a pesquisa, 52% das trabalhadoras apresentaram transtorno mental comum, enquanto, entre os homens, a porcentagem foi de aproximadamente 26%. “A gente tem uma segregação de gênero bem forte dentro do mercado de trabalho. A mulher conseguiu esse espaço faz pouco tempo, poucas mulheres ocupam cargos de gestão, coordenação, diretoria, apesar de serem mais da metade do contingente de contratados. Tem a questão da violência externa, interna, assédio sexual. As mulheres ganham menos em mesmo cargo que os homens. A violência a que a mulher é exposta constantemente dentro e fora de casa, dentro e fora do trabalho, piadas machistas constantes, a beleza sendo colocada à frente das capacidades intelectuais, das capacidades profissionais, isso afeta a saúde mental,” ela completa.

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