Desde o dia de 3 maio a atividade vulcânica do Kilauea vem surpreendendo observadores. Os rastros de lava, proveniente de fendas que se abrem nos terrenos próximos ao vulcão, estão causando danos por onde passam. Até o momento, foram identificadas cerca de dez fraturas.
Além da intensa atividade vulcânica na região, o que chamou atenção foi a atividade sísmica registrada. Foi identificado um terremoto de magnitude 6,9, algo considerado incomum e que pode estar relacionado à própria atividade vulcânica.
O professor Marcelo Bianchi, do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP), explica que, em geral, a magnitude dos tremores de terra observados naquela região está em torno de dois ou três, o que não costuma causar danos. “Alguns outros sismos, mais próximos aos grandes vulcões ativos, têm um potencial de causar danos, mas têm um período de recorrência não determinado”, completa.
Atividade sísmica na região
A localização do Havaí é um dos pontos mais importantes e tem relação direta com o perfil do regime tectônico do local, influenciando os tipos de magmatismo e de sismicidade e os possíveis danos gerados pelas atividades.
A professora Leila Marques, do departamento de Geofísica do IAG, explica que não necessariamente a ocorrência de terremotos está associada ao vulcanismo, mas o contrário pode ocorrer também. “Às vezes, antes de ocorrer uma erupção vulcânica, o movimento do magma interior da Terra causa terremotos. Inclusive, pode ser uma maneira de se identificar onde acontecerá uma erupção vulcânica”, afirma. “Isso aconteceu há alguns anos no vulcão Santa Helena, nos Estados Unidos, onde o próprio terreno começou a se modificar. Então, eles sabiam que o vulcão poderia entrar em erupção.”
Geralmente, quando o magma busca uma passagem pela crosta terrestre, são detectadas atividades sísmicas de maior ou menor grau que, no Havaí, são associadas aos esforços necessários para a ressurgência magmática e formação do vulcanismo. Bianchi afirma que a terra se movimenta para abrir passagem para o magma e para gases. E, nesse caso, não foi diferente. “Ele ocorreu por falhamento inverso, ou seja, algo empurrando a crosta de baixo para cima para sair”, aponta.
Vulcanismo havaiano
O vulcanismo presente nessas ilhas, como explica Leila, ocorre dentro das placas tectônicas, algo conhecido como magmatismo intraplaca. Essa é uma característica importante que torna o vulcanismo dessa região diferente em relação a outras, onde a atividade vulcânica acontece nas bordas das placas.
É importante lembrar que o Kilauea, o principal vulcão da ilha, está ativo há pelo menos 50 anos. Ou seja, sua caldeira estava cheia de magma desde 1983. Nessa última erupção, a lava foi drenada e, ao procurar outros caminhos e direções, acabou saindo pelas fendas que vêm se abrindo ao longo da ilha, devido à alta pressão. A professora diz que essa ocorrência pode ser resultado de uma anomalia térmica profunda no manto da Terra, responsável por elevar sua temperatura e transformá-lo em magma.
A anomalia térmica, também chamada de plumas do manto, é explicada por dois modelos diferentes. O mais aceito afirma que o manto da Terra, envoltório do núcleo, é um mau condutor de calor e um isolante térmico. Por conta disso, o calor se acumula na base do manto, a temperatura se eleva e, em alguns locais, o material começa a subir em uma velocidade um pouco maior do que a que normalmente ocorre nas correntes de convecção. “A pluma sobe, leva matéria e calor que funde as rochas e gera magma. Então, essa é a explicação do magmatismo intraplaca”, esclarece a professora. Outros estudiosos, por outro lado, acreditam que a as anomalias são causadas por mudanças na composição química do manto.
A anomalia tem grande influência na formação das ilhas havaianas, pois atua na região há muito tempo. Marques afirma que o Havaí é uma cadeia, onde existem a ilha principal, que está em atividade, e as ilhas ao lado que são mais antigas e sofreram o mesmo processo no passado. Bianchi acrescenta que as plumas costumam ser fixas em relação ao referencial do observador, mas as placas se movimentam. Dessa forma, quando elas sobem – algo conhecido como hotspot, a fase final da pluma – deixam um rastro de vulcões pela superfície.
Leila explica que o vulcanismo ocorre quando o material profundo do manto chega a superfície em forma de magma e se acumula nas câmaras magmáticas e, com o aumento da pressão, acontecem as erupções. Quando elas cessam, as rochas que estão em cima resfriam e formam uma espécie de “rolha”. Após isso, o mesmo processo se inicia novamente e ocorre uma nova erupção. “É um processo lento de alimentação da câmara magmática, até ela atingir uma certa pressão e vir para superfície.”
A atividade do Kilauea, entretanto, estava em equilíbrio, porque ainda não tinha acontecido esse processo de formação de “rolha”. Dessa forma, não existia ação da pressão e as erupções eram controladas. Leila explica que “ele é constantemente alimentado por esse fluxo de matéria que vem da parte de baixo. Se esse fluxo parar, ele vai resfriar, a caldeira vai colapsar e vai formar a rolha.”
O vídeo abaixo, elaborado pela USGS, representa o lago de lava na cratera Halema‘uma‘u.
Outras características que afetam o tipo de vulcanismo no Havaí estão relacionadas à viscosidade do magma e à topografia do vulcão. Na ilha, os vulcões costumam ser do tipo escudo, como montanhas bem suaves, com lava pouco viscosa – diferente do que existe na Itália, por exemplo, onde os vulcões são grandes picos.
Segundo Leila, o que leva alguns pesquisadores a acreditarem em uma interação entre magma e água, é o fato de que no passado aconteceram erupções explosivas na ilha. Esse tipo de magmatismo pode ser resultado do resfriamento sofrido pelo magma, devido ao contato com o lençol freático. Em vez de jorrar um material pouco viscoso, foram expelidos gases e porções de magma quase totalmente solidificados.
Monitoramento
A gravidade dos acontecimentos obrigou milhares de moradores a deixarem suas casas, devido ao risco causado pelo surgimento de novas fendas. Leila diz que “aquele local não era apropriado para se morar, porque a qualquer momento o vulcão poderia entrar em atividade maior. Isso faz parte do ciclo dos vulcões. Então, agora eles estão precisando sair dos locais, porque estão todos afetados por fendas.”
O Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) está publicando, desde o início das erupções, relatórios sobre a situação em que se encontra a região. O site da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) também possui diversas informações sobre atividades vulcânicas e sísmicas, tanto atuais como do passado.
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