O Cepas (Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas) do Instituto de Geociências da USP desenvolveu e patenteou uma técnica para descontaminar a água subterrânea de nitrato por meio da plantação de eucalipto. A planta, diferentemente de outras, possui raízes profundas, capazes de atingir até três metros dentro dos aquíferos, responsáveis por absorver boa parte do nitrato concentrado na região.
O nitrato é o componente químico que mais frequentemente contamina as águas subterrâneas no mundo. Apesar de não ser tão tóxico, é bastante comum e persistente. Considerando a extensão do problema, o grupo de pesquisas do Cepas desenvolveu uma solução acessível e simples a longo prazo. Ricardo Hirata, vice presidente do centro, explica: “O eucalipto absorve e usa o nitrato como fertilizante, como um nutriente. Nos experimentos que fizemos, a planta cresceu, ficou melhor”. Além disso, a ideia é que o eucalipto ainda seja utilizado para fins comerciais. Através de um sistema de rotação de poda, corte e replantio, os pesquisadores garantem que a área nunca fique sem eucalipto para remover o nitrato, ao mesmo tempo em que a planta possa ser explorada economicamente. O projeto teste foi aplicado em uma fazenda de eucaliptos da USP, em Itatinga, durante um ano e meio. “Aplicamos controladamente nitrato no solo e analisamos a capacidade de absorção dos eucaliptos”, relata Ricardo. Diferentes concentrações de nitrato foram aplicadas nas plantas e a taxa de absorção foi surpreendente: mesmo aplicando 8000 mg/L de nitrato, a remoção foi superior a 95%. Em casos com concentrações menores, houve até mesmo a retirada completa do composto tóxico.
Problemas e impactos do nitrato
De acordo com Hirata, praticamente todas as cidades paulistas estão contaminadas em algum grau por nitrato. O problema basicamente reside na contaminação pelo esgoto, já que a urina possui grandes concentrações de nitrogênio que é convertido em nitrato na água. “O Estado de São Paulo tem uma boa rede de esgoto. O problema que verificamos é que ela é velha e, principalmente nas cidades ocupadas nas décadas de 60 e 70, vaza muito a ponto de gerar impactos nos aquíferos. Áreas mais antigas de ocupação e com maior densidade populacional têm problemas sérios de contaminação”, afirma o pesquisador. A situação é especialmente grave nas favelas. Pela falta de redes de água e esgoto, os moradores acabam por procurar recursos hídricos em locais de risco. Normalmente, a água vem de poços escavados nas proximidades de fossas, o que deixa o líquido muito vulnerável à contaminação por nitrato, bactérias e vírus.
Mas qual é o impacto do nitrato nos humanos? Existe uma recomendação legal de, no máximo, 10 mg/L de nitrato na água potável. Ao extrapolar esse limite, há indicações do aumento de índice de câncer no estômago em adultos. Em bebês, a contaminação provoca a meta-hemoglobinemia, mais conhecida como “Síndrome do Bebê Azul”. Nesse caso, o nitrato entra na corrente sanguínea e compete com as células da criança por oxigênio. Assim, o organismo não consegue absorver o ar e o bebê pode asfixiar.
Dificuldades estruturais
Para o pesquisador, existem dois grandes problemas estruturais do gerenciamento da água em São Paulo: a demora dos reparos pelos órgãos governamentais e o uso irregular de água em poços privados. O primeiro acontece pela falta de prioridade da iniciativa pública de consertar os danos da rede de esgoto. Como os problemas de vazamento não são aparentes e não interferem no funcionamento das cidades, na prática existe essa dificuldade. “A rede de esgoto só começa a ser trocada necessariamente quando alguma coisa começa a aparecer na superfície, quando é um problema para a cidade. Se ela vaza um pouco, infiltra no subsolo e entra no aquífero, eles não se preocupam com isso. É um problema difuso”, afirma.
A outra questão refere-se aos poços privados. Equivocadamente, as pessoas tendem a pensar que, como a rede da região metropolitana de São Paulo provém majoritariamente de reservatórios superficiais, a contaminação das águas subterrâneas não é um problema particular. Mas isso não é verdade. A metrópole paulistana possui, no mínimo, 12 mil poços que usam a água subterrânea privadamente. Essas fontes de água não estão sob direção da concessionária pública, mas, sim, de indivíduos ou empresas. E essa forma de captação é muito atrativa: segundo Ricardo, extrair água do próprio poço podem ser até 9 vezes mais barato do que utilizar a rede pública. Dessa forma, os números de extração chegam a ser exorbitantes. “São muitos poços na região, que tiram 10 mil litros de água por segundo. Poucas cidades do país usam tanta água subterrânea”, relata Hirata.
Contudo, os atrativos de barateamento possuem sua desvantagem: entre 70% e 80% dos poços são irregulares, ou seja, não possuem licença do estado para serem usados. Por não passarem pelos trâmites legais, o processo de permissão e extração fica ainda mais em conta, o que estimula diversas empresas e cidadãos a pularem a burocracia. Pela negligência e falta de informação, muitos usuários de água subterrânea não fazem análises de qualidade e nem sequer sabem que o líquido está contaminado.
Para Ricardo Hirata, a solução está na comunicação e no planejamento. O Estado, acima de tudo, precisa conscientizar os proprietários de poços da importância de testes e exigir deles os procedimentos químicos necessários. “O nitrato é um problema muito extenso. É quase onipresente nas cidades. Acontece que os conflitos de água subterrânea existem, mas eles não são aparentes. Então a comunicação e a informação não chegam”.
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