Órgão da ONU analisa impacto da atividade física esportiva no IDH

Relatório do PNUD considerou o efeito da "década esportiva" para prática de atividade física esportiva no Brasil. Foto: Capa do Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano do Brasil de 2017

O Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano do Brasil de 2017, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), relacionou a prática de Atividade Físicas Esportivas (AFE) com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Um dos participantes e redatores do Relatório é o professor da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, Edison de Jesus Manoel.

O professor comenta que o Brasil tende a incorporar o IDH em suas políticas públicas. Um exemplo disso é a aplicação do índice a municípios do país, o IDH municipal (IDH-M). Além disso, Edison explica qual a motivação do PNUD em realizar o Relatório no Brasil neste ano: “Uma das propostas foi agregar ao índice alguns conceitos e fatores que, mesmo fora da equação, impactam seu cálculo”.

Outro fator que foi importante para PNUD realizar o relatório brasileiro está ligado a chamada “década esportiva” do país, compreendendo o período entre o Jogos Pan-Americanos do Rio (2007), a Copa do Mundo do Brasil (2014) e os Jogos Olímpicos do Rio (2016). “O PNUD aproveitou o momento em que o esporte e a atividade física estariam mais em foco, com todas essas competições acontecendo aqui. Então o relatório vem para estimular a discussão e mostrar conceitualmente como a atividade física está relacionada ao IDH”, comenta.

O professor esclarece a importância das políticas públicas relacionadas à organização dos jogos. “Quando a cidade é aprovada [para sediar a Olimpíada], tem que apresentar um plano e nele, os legados olímpicos. E dentre os legados, é preciso estabelecer o que vai ser incorporado pelo país em termos de políticas públicas. No caso de algo relacionado aos Jogos, há estrutura, propostas de lazer e de saúde”, diz.

Edison conta que no caso de Londres 2012, um dos argumentos ingleses para sediar a competição era melhorar os níveis de atividade física da população. No entanto, segundo o professor, logo depois dos Jogos, a Comissão Britânica de Atividade Física veio a público relatar que não conseguiram aumentar a meta para o país. Em 2016, segundo a BBC, pouco mais de 30% dos britânicos praticam atividade física. Já sobre a situação brasileira, o professor comenta: “Vejo pouca gente discutindo isso aqui. Talvez porque o foco está tão em cima da corrupção que ninguém está avaliando o que o Brasil propôs de políticas públicas”.

Relação com o PNUD e Escola Ativa

Antes da realização do Relatório, Edison se envolveu em outro trabalho do PNUD, a respeito do conceito de “escola ativa”. O modelo é fortemente implementado no Reino Unido e no Canadá, e a intenção do órgão era mapear, no Brasil, a porcentagem de escolas ativas. Convidado pela pesquisadora Paula Korsakas, Edison e outros professores da EEFE, Luiz Dantas e Oswaldo Ferraz, participaram do trabalho. O pesquisador comenta que o PNUD gostou da atuação dos professores da EEFE.

No entanto, Edison conta que seus colegas e ele foram críticos do conceito trazido pelo órgão: “[O modelo] era de uma escola ativa só na ideia de fazer atividade física. Entendíamos que era mais que isso. Não é só uma questão de gasto energético, mas também de significado e valor cultural. Mudamos um pouco o conceito e eles gostaram. No relatório, também não pensamos apenas em ‘fazer atividade física por 30 minutos’. O envolvimento com atividade física é mais do que isso”.

Na concepção de atividade física, o conceito de escola ativa recebe destaque no período do ensino médio. “É exatamente nesse período que podemos trabalhar com atividade física no sentido intelectual. É possível dar mais instrumentos para o jovem gerenciar a sua própria prática, uma prática que lhe faça bem”, afirma Edison.

Um exemplo desse conceito foi encontrado pelo professor em uma pesquisa de campo na cidade de Viamão. A visita foi a uma escola em que dois professores de educação física se aposentaram e a disciplina ficou a cargo de uma só professora, que não conseguia ministrar aulas para todos os alunos. Mesmo assim, Edison encontrou lá um garoto de 14 anos que passou a correr de 6 a 7 km nos finais de semana para ajudar no tratamento de asma. “Ele teve a ideia e, naquela altura, já estava envolvendo os colegas. Havia mais 5 meninos correndo com ele. Ele está fazendo uma escola ativa, gerindo a própria prática. Isso seria um indicativo para política pública para todas as escolas de que o início é o projeto político-pedagógico. Não precisa de muitos materiais, mas precisa haver atitude”, enfatiza.

Atividade física como direito social

É destaque no Relatório produzido pelo PNUD a noção da atividade física como um direito social de qualquer cidadão, e não um dever. Sobre a essa perspectiva, o professor comenta que, apesar do nível de atividade física dos brasileiros não ser ruim, há muitos obstáculos. “A ONU trabalha com o conceito de desenvolvimento humano como ampliação de escolhas para que cada um tenha condições de realizar ou fazer aquilo que deseja. Ou seja, a questão é o indivíduo ser sujeito do próprio desenvolvimento. Isso não está posto, é a pessoa que tem dever realizá-lo. Mas a maneira como a nossa sociedade é organização coloca muitas barreiras à ampliação de escolhas”, afirma Edison.

O l cenário é mensurado pelo relatório na definição de quem são os indivíduos que praticam atividade física no Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) de 2015, 37,9% da população brasileira é praticante de atividade física esportiva. Segundo Edison, esse índice não é ruim. Um exemplo de comparativo pode ser a Europa, que tem 41% dos cidadãos praticando esporte pelo menos uma vez por semana, segundo a Eurobarometer 2013.

Apesar disso, há um recorte de fatores socioeconômicos, de deficiência física ou mental, educacionais, etários, de gênero e étnicos que determinam a prática de atividade física no país.

A partir do Índice de Iniquidade (medida da desigualdade da prática de atividade física), em que o número 100 representa a média brasileira de 37,9%, há dados importantes. O nível de prática no estrato social mais alto (renda familiar mensal per capta de 5 salários mínimos) é o dobro daqueles na faixa mais baixa (renda familiar mensal per capta de ½ salário mínimo). Os indivíduos com alguma deficiência têm índice 49 contra 102 daqueles sem nenhuma deficiência. Já homens tem 28,4% mais chance de praticar atividade física do que mulheres. O grupo mais escolarizado pratica 3,31 vezes mais do que aqueles sem nenhuma instrução. Os mais novos (15 a 17 anos) tem quase o dobro do nível de atividade física dos idosos. Além disso, a população branca possui índice 6% maior que a média brasileira e a população negra, 6% abaixo da média.

Assim, Edison destaca que é necessário que o governo possua políticas públicas para garantia do direito à atividade física de lazer. “Essa atividade deve ser entendido como algo criativo e formativo da pessoa, em que a pessoa esteja envolvida com a própria prática. Disso vem a importância de políticas públicas que permitam às pessoas não só usufruírem do tempo livre, mas ter condições de escolherem o que praticar”.

Um exemplo apontado pelo professor é a prática corporal em Unidades Básicas de Saúde (UBS) que, segundo ele, poderiam ir além das medidas contra doenças. “Oferecer yoga, alongamento, corrida, permite que as pessoas descubram o que as agrada. Se uma pessoa com pressão alta entender a prática como remédio, vai fazer só até quando achar que precisa. Mas a prática corporal pode ser incorporada”, afirma. “É por isso que valorizamos mais o termo prática corporal do que exercício físico (embora o exercício seja uma prática corporal), porque a prática corporal tem significado para a pessoa e isso está trazendo benefício para saúde. Portanto, é importante que a saúde incorpore esse tipo de linguagem e não trate a atividade física só como gasto energético ou remédio para doença”.

O professor destaca outros tipos de ações como a Virada Esportiva e a ampliação de acesso à parques públicos. Um exemplo para isso seria o desenvolvimento de aplicativos de smartphone que, conforme a pessoa chegue o parque, haja notificações dos eventos e possibilidade de atividade no local.

Sistema Nacional de Desporto

Está no Relatório também uma proposta de mudança do Sistema Nacional de Desporto. Apesar da Constituição Federal determinar prioridade à prática esportiva de caráter educacional, há prevalência de recursos voltados ao alto rendimento. ”Ele acaba abocanhando, direta ou indiretamente, lícita ou ilicitamente, grande parte dos recursos. O problema não são os atletas. E o alto rendimento atrai recursos, se bem organizado. Mas o atual sistema acaba sendo muito corrupto e muito voraz, por ser corrupto. Assim, o documento apresenta a necessidade de torná-lo mais democrático”, explica. A tentativa, nesse caso, é para evitar situações como a perpetuação do poder nas confederações por muitos anos.

O professor ainda comenta que a estrutura do Ministério do Esporte possuía secretarias tanto para o alto rendimento quanto voltadas para outras áreas. No entanto, a Secretaria do Lazer acabou por ter a importância diminuída. Segundo o professor, o setor do Ministério chegou a ter parceria com o Ministério da Saúde e isso precisa retornar, tanto com a pasta da Saúde quanto com o Ministério da Educação.

Lançamento e leitura do relatório

Nos dias 28 e 29 de novembro, a EEFE recebeu eventos relacionados ao Relatório. Na terça-feira (28), o relatório foi lançado no V Ciclo de Conferência em Educação Física e Esporte, com a participação do Diretor Acadêmico do trabalho, Fernando Jaime Gonzáles, e Vanessa Zanella, do PNUD. Já no dia quarta-feira (29), a Escola recebeu Valter Bracht (Universidade Federal do Espírito Santo) e Mauro Betti (Unesp) na apresentação da Equipe de Pesquisa e Redação do relatório, além da leitura pela professora da EEFE Yara Maria Carvalho e debate com a platéia.

É possível acessar o relatório completo pelo site: http://movimentoevida.org/

 

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